A incorporação pelo sistema de saúde do país da medicação para a lipofuscinose ceróide neuronal tipo 2 (CLN2), mais conhecida como doença de Batten, foi a principal reivindicação de debatedores ouvidos pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) nesta quarta-feira (23). Autores do requerimento para a audiência pública, os senadores Flávio Arns (Podemos-PR) e Mara Gabrilli (PSDB-SP) quiseram aprofundar o debate sobre a aprovação, pela Agência Nacional de Vigilância Santiária (Anvisa), do medicamento Brineura (alfaceriliponase), único disponível para o tratamento desses casos, mas que não teve a inclusão sugerida ao Ministério da Saúde pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec).
Segundo Arns, mesmo a Consulta Pública 89 da Conitec tendo recebido mais de 2,2 mil contribuições favoráveis ao tratamento, e as famílias sustentarem que há evidências positivas em relação aos resultados, a questão ainda não foi solucionada. O parlamentar criticou o que considerou “menosprezo técnico” do órgão e disse que vai levar o assunto para o Plenário e às instâncias do governo. O senador disse ainda que enviará as informações obtidas na audiência para o Ministério da Saúde, a fim de que os técnicos da Conitec tenham o conhecimento necessário sobre a doença.
— A gente vai insistir porque acredita que a maioria dos membros da Conitec tem sensibilidade. Vamos construir caminhos e vamos juntos. Nada como todos nós, famílias, federação, Congresso Nacional e especialistas trabalharmos juntos.
A coordenadora geral de Gestão de Tecnologias em Saúde do Ministério da Saúde, Priscila Gebrim Louly, apontou que o impacto orçamentário é o maior impedimento para inclusão de medicamentos para doenças raras no âmbito do SUS. Ela disse que cada membro do Conitec toma as decisões que consideram adequadas e disse ser necessário o Congresso Nacional inserir essa previsão de gastos quando da discussão do Orçamento anual.
Presidente da Federação das Associações de Doenças Raras do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, Monica Vieira Aderaldo disse que essa luta tem sido travada desde 2017, quando houve o primeiro diagnóstico da doença de Batten no país. Segundo ela, o maior número de casos está registrado nas regiões Norte e Nordeste. E quanto mais tempo o medicamento demorar para estar disponível, menos tempo de vida e chances de recuperação terão os pacientes. O intuito dos responsáveis pelas crianças acometidas pelo problema é evitar a judicialização dos processos.
— A judicialização não é boa para ninguém. A gente pede ao Senado que faça uma recomendação para que o ministro da Saúde incorpore a medicação, porque essas crianças não podem esperar. Se o medicamento é eficaz e eficiente, o custo sendo menor, por que não recomendar? — questionou.
Flávio Arns observou que há cerca de 300 milhões de pessoas com doenças raras, sendo aproximadamente 13 milhões no Brasil. De acordo com o parlamentar, as estimativas são de que existam entre 6 mil e 8 mil tipos diferentes de doenças raras, dos quais, 30% dos casos levam à morte antes dos cinco anos de idade; 75% afetam crianças; e 80% têm origem genética. Somente cerca de 5% dessas doenças dispõem de algum tratamento para diminuir o avanço da doença. Como existem poucos pacientes, Arns falou que o preço do medicamento é muito alto e “impossível de ser pago pelas famílias”.
— Tratamos aqui de uma ação de política pública endereçada a crianças que, se tratadas com essa medicação, terão significativa redução de internações, aumento no bem-estar geral, com maior qualidade de vida e menos angústias para as suas famílias, inclusive com a preocupação permanente quanto à obtenção do remédio por liminar da Justiça. Essa é uma iniciativa que vai ao encontro do preceito constitucional que afirma ser a saúde um direito de todos e dever do Estado.
A neuropediatra Mara Lucia Schmitz Ferreira Santos considerou um crime fazer esses pacientes dependerem de uma judicialização para terem acesso ao medicamento. Segundo a debatedora, apesar de a Justiça ser importante, é morosa no Brasil. E a demora no tratamento prejudica toda a vida da criança, levando em muitos casos, à morte.
— Precisamos correr. Queremos a incorporação da medicação para fazer jus a essas crianças. As famílias, os médicos e acredito que a Justiça e o próprio governo não querem a judicialização porque todo esse processo se torna ainda mais caro.
Arns mencionou histórias de crianças, como a do Francisco, do Pará, e da Isabella, no Paraná, que passaram a ter convulsões, perderam o movimento das pernas, e apresentam dificuldades para enxergar e falar. Segundo o senador, na busca desesperada para saber o que aconteceu, os pais peregrinaram pelos serviços de saúde até descobrirem que se tratava da doença de Batten.
— Desde o início de 2021, acompanhamos a grave situação das crianças que necessitam da medicação para o tratamento da CLN2 — doença de Batten. Essa doença rara acomete, por exemplo, a pequena Isabella Cristina Silva Feitosa, filha da Cremilda de Sena Silva, conhecida como Tuca, que reside em Campina Grande do Sul, na região metropolitana de Curitiba; estamos falando de 15 crianças com uma doença sem cura, crônica, progressiva, degenerativa e que pode levar à morte precoce, uma notícia devastadora, sem dúvida, para as famílias.
Mara Gabrilli agradeceu Flávio Arns pela condução dos trabalhos. Ela informou que enviou ofício recomendando ao Ministério da Saúde que considere as contribuições dos especialistas. Ao lamentar a decisão da Conitec de não incorporar o medicamento Brineura ao SUS, a parlamentar ressaltou que continuará lutando para que os diagnosticados com a doença de Batten tenham acesso aos melhores tratamentos.
— Queremos ver essas pessoas crescendo, se desenvolvendo e contribuindo com o nosso país — declarou.
Representante dos pacientes da doença de Batten e suas famílias, Cremilda de Sena Silva afirmou que não há dúvidas sobre a eficácia dos medicamentos, mas as autoridades simplesmente “lavam as mãos”. Ela criticou órgãos como o Conitec que, segundo afirmou, não cumpre seu papel para ajudar a salvar vidas.
— A responsabilidade está nas mãos deles. Essa doença não dá tempo para judicialização. Nossos filhos estão acamados devido à demora do Judiciário. As pessoas estão perdendo a vida por negligência, por falta de olhar humano para salvá-las. Nós confiamos no poder público, que está aí para ver toda essa situação e ser favorável à vida.