O pedido de adiamento da votação das propostas com medidas para conter o aumento no preço dos combustíveis, nesta quarta-feira (23), gerou discussão intensa entre os senadores. Alguns apontaram possíveis prejuízos aos estados, outros manifestaram preocupação com o preço ao consumidor e outros questionaram as consequências econômicas. Enquanto os governistas pediram mais tempo para votar o PL 1.472/2021, senadores que apontaram a possibilidade de queda brusca de arrecadação dos estados pediram o adiamento do PLP 11/2020. Ambos voltarão à pauta do Plenário no dia 8 de março, depois do carnaval.
O relator, senador Jean Paul Prates (PT-RN), apresentou o texto substitutivo ao PLP 11/2020 e respondeu da tribuna às dúvidas dos colegas, afirmando que a proposta contempla o apelo dos consumidores por preços mais baixos sem prejudicar os estados e a União. Ele chegou a acolher uma emenda para possibilitar a votação ainda nesta quarta. E recebeu apoio do vice-líder do governo, senador Carlos Viana (MDB-MG). O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que terminou por adiar a votação, salientou que as soluções apresentadas por Jean Paul Prates para o PLP 11/2020 chegaram a obter a concordância do Ministério da Economia.
A cobrança única do ICMS sobre combustíveis, que consta do PLP 11/2020, é parte da iniciativa que engloba também o sistema de estabilização dos preços dos combustíveis (PL 1.472/2021), cuja votação ficaria pendente.
— Tenhamos a clareza de que o projeto foi suficientemente discutido nesta tarde de hoje, o parecer já está concebido e apresentado pelo relator. Se há necessidade do tempo para reflexão, nós, então, daremos tempo para reflexão, com o compromisso de que, na próxima sessão do Senado após o Carnaval, o Senado possa se pronunciar em relação tanto ao PLP 11/2020 quanto ao PL 1.472/2021 e que tenhamos, então, uma conclusão — disse Rodrigo Pacheco.
A discussão se deu com inúmeros pedidos de adiamento por parte do governo, que não queria votar o PL 1.472/2021, e de senadores que pediam uma discussão mais aprofundada do PLP 11/2020, com o temor de perda de arrecadação dos seus estados. O governo, que já colocou a culpa pelo preço dos combustíveis nos estados, é a favor da votação deste último.
O 1.472/2021 é do senador Rogério Carvalho (PT-SE) e ainda não foi votado em nenhuma das casas legislativas. O segundo, do deputado Emanuel Pinheiro Neto (PTB-MT), já foi votado pela Câmara e terá de voltar à Casa de origem após as mudanças a serem feitas pelo Senado.
Relator dos dois textos, Jean Paul Prates afirmou ter discutido todos os pontos com o governo e feito adaptações para chegar a textos que pudessem ser votados. Ele lembrou que os projetos são interligados e que não votar um deles seria adiar, mais uma vez, a solução de um problema pelo qual o Senado tem sido cobrado. Isso, na visão do relator, gera um desgaste para a Casa.
— Eu acho um desgaste desnecessário. Acho que quem está trabalhando com isso tem que estar em dia com as coisas. Não pode estar o tempo todo: 'Ah preciso de tempo para isso, tempo para aquilo', e a gente deixa de fazer o nosso dever de casa na hora que tem que ser feito — argumentou o relator, ao questionar o que o governo ainda precisava discutir no caso do PL 1.472/2021.
Falando pelo governo, o vice-líder Carlos Viana (PSD-MG) explicou que uma das questões sobre as quais o governo ainda precisava discutir era a fonte de recursos para custear a estabilização dos preços dos combustíveis prevista no PL 1.472. Para ele, é preciso, sim, haver um “colchão” para evitar as oscilações, mas ainda é preciso discutir como abastecer a Conta de Estabilização de Preços de Combustíveis (CEP-Combustíveis).
Pelo relatório até então apresentado por Jean Paul Prates, os recursos viriam do imposto sobre a exportação de petróleo bruto, de reservas cambiais do Banco Central, dos dividendos da Petrobras à União, das participações da União nos regimes de concessão e de partilha e do superávit financeiro de fontes de livre aplicação da União. Para chegar a um acordo, Jean Paul chegou a retirar do texto o imposto sobre a exportação de petróleo.
Ao ler seu relatório, Jean Paul Prates lembrou que a população tem sofrido com a escalada de preços dos combustíveis, que prejudica toda a economia, e em especial os mais pobres. O senador destacou que, em agosto de 2021, a gasolina atingiu o maior valor da série histórica que se iniciou em maio de 2004 e, desde então, seu preço continua subindo, com reflexos na inflação e prejuízos especialmente à parcela da população com menor renda.
O ponto central a ser atacado, disse o relator, é a política de preço de paridade de importação (PPI), adotada formalmente pela Petrobras em 2016. Esse sistema, como explicou Jean Paul Prates, acompanha as oscilações internacionais do mercado e do câmbio, ainda que o Brasil produza cerca de 80% dos derivados que consome. Os preços do Texas, exemplificou o senador, vão diretamente para as bombas de combustível dos postos brasileiros.
Autor do PL 1.472/2021, o senador Rogério Carvalho alertou para os riscos da PPI. Para ele, o Senado precisa pensar no impacto dessa política de paridade tem causado na macroeconomia.
— Nós estamos diante de um pico inflacionário dentro de um período de depressão econômica, o que mostra que essa política interfere diretamente na inflação. Essa inflação aumenta a taxa de juros e a gente já viu a consequência disso — disse o senador.
A possibilidade de queda na arrecadação dos estados foi lembrada por senadores que pediam o adiamento do PLP 11/2020. O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) disse ter recebido um relatório do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne secretários de Fazenda, Finanças ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal. O documento, segundo o senador, aponta perdas de R$ 31 bilhões para os estados. Somente o Distrito Federal perderia mais de R$ 700 milhões com o projeto, disse Izalci.
— É preciso ter muito cuidado. Eu não sei como está a situação dos estados. Mas você votar um negócio em que se vai perder R$ 700 milhões no seu estado, sem discutir mais... A gente tem que ter certa reflexão.
Jean Paul Prates afirmou que os cálculos do Confaz haviam sido feitos antes das mudanças promovidas em seus relatórios e que as perdas apontadas pelo Confaz já não seriam as mesmas.
O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) afirmou não se sentir seguro para votar o projeto sem fazer os cálculos, já que não houve tempo para analisar a última versão do relatório. Na mesma linha, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) afirmou que, apesar de todo o esforço do relator, o projeto é complexo e não poderia ser discutido com emendas aceitas na hora da votação, já que tem potencial de gerar grande perda de arrecadação para os estados.
— É bastante simples e se aplica a esse caso, com muita clareza, o adágio popular que diz que para todo problema complexo existe uma solução rápida, elegante e completamente errada. Vejam, é de alta complexidade essa situação. É um projeto bem-intencionado, ninguém discute. Mas ele gera impactos relevantes — disse Alessandro Vieira, ao pedir mais tempo para a discussão.
Outro ponto questionado pelos senadores foram possíveis prejuízos aos consumidores. Isso porque o projeto determina a utilização de uma alíquota ad rem (valor em reais por litro) em vez do modelo usado atualmente, de alíquota ad valorem (percentual sobre o preço).
Segundo o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), a cobrança de valor fixo sobre o litro é boa quando o preço do petróleo está subindo, mas prejudica o consumidor quando o preço cai, porque aumenta a proporção da carga tributária no litro de combustível consumido. Como a decisão de redução caberia ao Confaz, o senador argumentou que a medida sempre seria a favor da arrecadação dos estados, nunca em benefício do consumidor.
— A solução não é boa. Há coisas ótimas no seu projeto, mas a alma dele não é boa. Eu e todos os senadores queremos, claro, que o preço do combustível se estabilize, queremos que o preço do combustível seja baixo, entendemos a necessidade de fazer alguma coisa. Mas eu tenho, por uma questão de honestidade, que reconhecer o seguinte: não adianta eu dizer que estou fazendo alguma coisa se essa alguma coisa que eu estou fazendo não vai trazer benefícios ao consumidor — declarou.
Jean Paul Prates esclareceu que essa possível distorção já havia sido objeto de uma emenda do próprio senador Oriovisto, acatada por ele, prevendo que os estados observarão as estimativas de evolução dos preços, para que não haja ampliação do peso proporcional do tributo na formação do preço final ao consumidor. O relator explicou que assim, quando o preço do combustível baixar, o consumidor será necessariamente beneficiado.
Oriovisto também apontou um possível inconstitucionalidade no projeto, que poderia levar a questionamentos junto do Supremo Tribunal Federal (STF). Para ele, o PLP 11/2020 quebra a proibição de que sejam criados benefícios em ano eleitoral. Ele se referia a artigos que tratam da ampliação do auxílio-gás.