Debatedores ouvidos pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado nesta terça-feira (26) se posicionaram contrariamente à aprovação do Projeto de Lei 6.299/2002, que revoga a atual Lei dos Agrotóxicos e flexibiliza as regras de aprovação e comercialização desses produtos químicos. A audiência pública aconteceu a pedido do presidente da CDH, senador Humberto Costa (PT-PE), e teve entre seus objetivos apresentar um dossiê sobre o impacto dos agrotóxicos na saúde da população. Elaborado por organizações ligadas ao tema, o documento auxiliar os parlamentares a decidirem sobre a aprovação ou rejeição desse projeto.
Humberto Costa ressaltou que o Brasil está entre os maiores consumidores de pesticidas do mundo. Ele classificou como permissiva a legislação nacional sobre o assunto — o que, na opinião dele, leva o país a estar na contramão de outras nações. Segundo o senador, a quantidade de venenos como malationa e atrazina nas águas brasileiras chega a um nível até 5 mil vezes maior do que o permitido na Europa. Ao observar que muitos vermicidas presentes nos alimentos são causadores de doenças graves como o câncer, o parlamentar disse ser preciso estabelecer mecanismos para a defesa do meio ambiente e da saúde das pessoas.
— Mudanças legislativas como essa, que prevê, por exemplo, o enfraquecimento da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], são danosas e nocivas à população. Inúmeros países restringem a venda e o consumo de produtos originados de outros que fazem uso exagerado de agrotóxicos. E isso vai contra o agronegócio e a produção de alimentos brasileira, que tem tudo para ser de origem orgânica, atendendo aos anseios da nossa população — disse Humberto Costa.
Organizado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), pela Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia) e pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, o dossiê apresentado à CDH acrescenta dados ao debate. A intenção é subsidiar os parlamentares na análise do PL 6.299/2002, que retornou ao Senado (onde teve origem o projeto original) na forma de um substitutivo aprovado pela Câmara dos Deputados em fevereiro. Humberto pediu a mobilização permanente de toda a sociedade para ajudar a convencer os senadores a derrubarem a matéria.
A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) destacou que o substitutivo aprovado na Câmara tem sido chamado de “pacote do veneno”. Ela afirmou que a população tem sido duplamente atingida por esses produtos, já que a intoxicação resulta tanto da pulverização aérea quanto da contaminação de lagos e rios. Médica por formação, Zenaide defendeu a rejeição da matéria pelo Senado.
— Precisamos dizer “não” a um projeto desses, que nem deveria ser pautado. Estamos defendendo a vida; então, não ao veneno. Esse governo fala muito de defesa da família, mas defende os agrotóxicos, que podem prejudicar grávidas e fetos. Além disso, o agronegócio não matou a fome: são 20 milhões de brasileiros que ainda não comeram hoje. Parabenizo a CDH pelo debate, porque esse é o caminho. O Senado mostra ao povo brasileiro que não se trata de ser de esquerda, de direita ou de centro, mas de defender a vida, as famílias e o meio ambiente — declarou ela.
Representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a pesquisadora Karen Friderich disse que 81% dos agrotóxicos permitidos no Brasil são proibidos em países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Segundo ela, o PL 6.299/2002 fragiliza a fiscalização e não melhora a segurança alimentar, porque não vai facilitar a aprovação de produtos menos tóxicos. Na opinião da debatedora, se o texto for aprovado pelo Congresso Nacional, o Brasil passará a ser escoador de inseticidas já proibidos em outras nações.
— Somos terminantemente contra a aprovação desse projeto de lei. Além de a gente não ter um monitoramento eficaz do uso desses pesticidas, a proposta ainda restringe essas informações e retira os especialistas em saúde e meio ambiente das decisões sobre os registros. A matéria só é interessante para quem fabrica agrotóxicos e está vendo, no Brasil, esse mercado propício — argumentou Karen.
Advogada na organização Terra de Direitos e Integrante da Articulação Nacional de Agroecologia, Naiara Bitencourt afirmou que o PL 6.299/2002 colide com tratados assinados e ratificados pelo Brasil no que se refere ao uso de inseticidas. Segundo ela, a proposição fere o direito à saúde ao dar maior poder ao órgão de agricultura, em detrimento ao órgão de saúde.
— É importante reforçar que o texto não traz qualquer medida de gestão ou mitigação de riscos ambientais. A matéria é uma vedação ao direito [das pessoas] a uma alimentação adequada, o que é estabelecido pela Constituição. O Brasil precisa estar atento ao objetivo do desenvolvimento sustentável que preconiza fome zero e agricultura sustentável. O PL acelera justamente a aceleração de registros. Esperamos firmemente que essa casa legislativa não permita que seja aprovada essa “cadeia de inconstitucionalidades” — disse Naiara.
Representante da Fundação Oswaldo Cruz, a pesquisadora Aline Gurgel contestou afirmações de defensores do projeto que, segundo ela, classificam a matéria como o “projeto do alimento seguro”. Segundo ela, esse discurso é “falacioso”.
— Esse projeto ameaça todos os grupos populacionais, especialmente os de maior vulnerabilidade. Teremos liberados mais produtos ainda mais perigosos, contaminando nossa água e nossos alimentos in natura, minimamente processados ou altamente processados. Isso porque não há tecnologia em nenhum lugar do mundo capaz de remover os agrotóxicos completamente de qualquer tipo de alimento.
Representante do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Riojas Arantes considerou que o PL 6.299/2002 precisa ser entendido não apenas como uma questão de produção ou de meio ambiente, mas de consumo, saúde e direitos. Ele apontou pontos que seriam problemáticos no texto, como o enfraquecimento dos sistemas de controle, ao retirar as prerrogativas de fiscalização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Rafael ressaltou que o projeto tem muitas lacunas, o que gerará prejuízos a toda a população.
— Não estamos aqui apenas para rechaçar o projeto, mas para fortalecer proposições alternativas que resultem numa transição urgente, responsável e gradual. A gente entende a importância do agronegócio brasileiro, mas precisamos dar um direcionamento ao mundo, com vistas a uma produção e a um consumo de alimentos verdadeiramente saudável e sustentável — defendeu ele.