Os procuradores da República que atuam na ação civil pública pela indenização às famílias das vítimas do acidente da Chapecoense temem que a demora da tramitação do processo na justiça prejudique o pagamento dessas pessoas. Carlos Humberto Prola Júnior e Edson Restanho prestaram depoimento, nesta quarta-feira (1º), na CPI que investiga o impasse para o pagamento dessas indenizações. Para eles, caso nenhuma liminar positiva seja emitida nos próximos dias "essa ação vai se eternizar".
O acidente aconteceu em novembro de 2016, na Colômbia, no voo que transportava o time da Chapecoense para a decisão da Copa Sul-Americana e deixou 71 mortos.
O procurador Carlos Prola Júnior reforçou a confiança na ação, no entanto, criticou a demora na tramitação. Para ele, esse caso ilustra a dificuldade de se obter uma liminar que atenda minimamente as vítimas.
— Se uma seguradora ou resseguradora brasileira estivesse envolvida numa situação dessa com um acidente envolvendo, por exemplo, uma equipe de futebol da Inglaterra. Eu pessoalmente, e isso é uma posição pessoal, acredito que essa situação já teria sido resolvida há muito tempo nesses outros países. Provavelmente a justiça da Inglaterra já teria dado uma resposta para esse caso. E aqui não vai nenhuma crítica à Justiça Federal, ao juiz que está atuando nesse caso, mas ao nosso sistema de Justiça que infelizmente não consegue, para um caso tão grave como esse, dar uma resposta célere que o caso demanda — exemplificou.
A ação civil pública, que engloba desde o pedido de bloqueio de bens das seguradoras até o pagamento do fundo humanitário às famílias das vítimas do acidente, foi ajuizada pelo MPF em novembro de 2019. A ação é contra as empresas LaMia, Tokio Marine Kiln e Bisa (ambas resseguradoras) e a Aon (corretora da apólice).
Edson Restanho explicou que além dos entraves burocráticos no sistema jurídico brasileiro, houve ainda atrasos em razão da pandemia e do próprio sistema jurídico da Bolívia, que não dava andamento aos processos de forma remota e eletrônica. Em razão disso, todas as citações do processo só foram concluídas e juntadas aos autos em março deste ano.
Ele ainda acrescentou que, até o momento, o Ministério Público Federal não conseguiu nenhum resultado concreto que “amparasse minimamente a expectativa das famílias das vítimas”. Ele citou por exemplo o pedido de bloqueio de bens dos grupos envolvidos, que foi negado pelo juiz do caso. Além disso, as partes apresentaram questões preliminares rebatendo a ação, que segundo ele, foram esclarecidas pela procuradoria. Agora, de acordo com Restanho, o momento é crucial para o processo já que a justiça terá que se pronunciar sobre todos os questionamentos.
— É um momento crucial do processo judicial porque, eventualmente, se acolhida alguma questão preliminar lá, e existem questões preliminares que se acolhidas elas poderão implicar, na prática, na extinção do processo. Desde de alegações como ausência de jurisdição internacional do Brasil no caso, ausência de competência da Justiça Federal, ilegitimidade do Ministério Público Federal, prescrição da ação, enfim, são várias questões sensíveis e que, no atual momento, elas devem ser enfrentadas pelo Poder Judiciário — detalhou.
O relator, senador Izalci Lucas (PSDB-DF), questionou os procuradores sobre os valores cobrados na ação. Para ele, é importante que se busque, pelo menos, a indenização que estava estipulada na última apólice do seguro, que era de US$ 25 milhões.
— A proposta que foi feita e que já foi divulgada seria essa: US$ 25 milhões, que é o valor da última apólice. Esses US$ 25 milhões é o contratual, é o que está na apólice. Mas houve um pedido por parte da Justiça do mesmo valor para o extracontratual, que são para os danos. Então a proposta tá muito aquém — afirmou.
Os procuradores explicaram que levaram em consideração três patamares para indenização: a primeira, US$ 300 milhões para a responsabilidade contratual e US$ 300 milhões para responsabilidade extracontratual (que era o valor da apólice da LaMia com as seguradoras de 2011 a 2015). Caso não fosse acolhido esse valor, se fixasse em US$ 50 milhões. (Porque no contrato de afretamento da LaMia com a Chapecoense era este o valor que estava posto em uma da cláusulas). E em ultimo caso, segundo Edson Restanho, seria de US$ 25 milhões considerando que era o valor efetivo da última apólice de seguro vigente à época do acidente.
O presidente da CPI, Jorginho Mello (PL-SC) e o senador Esperidião Amin (PP-SC) questionaram sobre as tentativas de acordo entre os representantes das famílias das vítimas e as corretoras de seguro. Para eles, a atuação do colegiado e da procuradoria também precisam buscar essa aproximação.
Carlos Prola Júnior esclareceu que desde o início da ação, a procuradoria buscou conversar com a seguradora Tokio Marine para tentar obter um acordo que viabilizasse o pagamento do valor do fundo humanitário às famílias que fosse minimamente compatível com o que estava sendo pedido na ação. No entanto, de acordo com o procurador, não houve avanço. Segundo ele, essas tentativas de negociação foram paralisadas durante a pandemia. Ele disse acreditar que agora, com o retorno dos trabalhos da CPI e ampla divulgação do caso, essas conversas possam ser retomadas.
— Se houver disposição por parte desses grupos econômicos envolvidos na ação é possível sim se chegar a uma proposta que atenda, minimamente, segundo os padrões do nosso judiciário — afirmou.
Ainda em abril deste ano a Tokio Marine, de acordo com o senador Esperião Amin, buscou representantes dos familiares das vítimas na tentativa de se chegar a um valor. Ainda conforme o senador, o encontro não rendeu a resposta desejada pelos requerentes.
— Vamos convidá-los para ver se a gente avança mais um pouco — disse Jorginho Mello ao confirmar que está marcado depoimento desses representantes da Tokio Marine e da Aon na próxima semana.