A Comissão Temporária sobre a Criminalidade na Região Norte aprovou seu relatório final nesta terça-feira (16). No documento, de 37 páginas, o relator Nelsinho Trad (PSD-MS) defende o emprego das Forças Armadas de forma emergencial para garantia da lei e da ordem na região do Vale do Javari e na Terra Indígena Ianomâmi, onde há invasão crescente de garimpeiros.
O colegiado também propõe alteração na Lei Complementar 97, de 1999, para estabelecer a competência permanente e subsidiária das Forças Armadas para atuar na prevenção e repressão de delitos que atentem contra direitos transindividuais de coletividades indígenas, em acréscimo aos delitos transfronteiriços e ambientais, já previstos na legislação.
— As Forças Armadas dispõem de meios e capilaridade muito superiores aos dos órgãos de segurança pública na região amazônica, incluindo sofisticados sistemas de vigilância. Há décadas, os nossos militares acolhem, nas suas fileiras, indígenas, caboclos e ribeirinhos, o que ajuda a consolidar o sentimento de nacionalidade. Reforçar, na lei, a parceria atende aos valores da paz e da ordem — afirmou o relator.
Os senadores apresentaram também uma proposta de alteração no Estatuto do Desarmamento, para conceder o porte de arma de fogo aos integrantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) em atividades de fiscalização, e na Lei de Crimes Ambientais, a fim de agravar penas em delitos cometidos em terras indígenas.
O relatório final destaca que a Floresta Amazônica está presente em oito países, por isso é preciso reforçar no Parlamento Amazônico (Parlamaz) "o diálogo franco sobre a união de governos e povos para proteger a Amazônia e promover o desenvolvimento da região com respeito ao meio ambiente e aos povos originários".
Depois de quase dois meses de trabalho, os parlamentares e a equipe técnica da comissão constataram que a pobreza e a desassistência são fatores que agravam a exposição de comunidades inteiras à violência. Por isso, os indígenas necessitam de assistência social, políticas de saúde, educação e apoio às suas atividades produtivas, para que possam prosperar e diminuir sua vulnerabilidade social.
— O Estado tem negligenciado o seu especial dever de proteção. Mesmo que se possa discutir a legitimidade dos interesses de não indígenas sobre áreas não homologadas, como defende a atual gestão da Funai, não há sombra de dúvida de que a presença de invasores nas terras já homologadas, como a do Vale do Javari, é um emaranhado de crimes contra os indígenas, contra a União e contra os interesses nacionais — disse o relator.
Conforme o relatório, a ausência do Estado favorece o crescimento de mercados ilícitos de grilagem de terras, queimadas, exploração da madeira, garimpo, pesca, caça, pirataria e transporte de drogas e de armas. No vácuo de poder, organizações criminosas são formadas ou migram para explorar essas atividades.
— Conforme constatado por esta comissão in loco, é preciso investir no fortalecimento de mecanismos integrados de comando e controle, que conectem esferas federal e estadual e, em especial, diferentes órgãos e Poderes (principalmente polícias, Ministério Público, defensorias, Funai, Ibama, ICMBio, Incra e Judiciário).
Segundo Nelsinho Trad, há quem acuse os indígenas de se aliar a organizações não governamentais e a governos estrangeiros para solapar a soberania nacional, usando como pretexto a defesa do meio ambiente; mas o que se vê, na verdade, são indígenas clamando insistentemente pela presença do Estado brasileiro e pela defesa de sua cidadania.
Depois da apresentação do relatório, os parlamentares aprovaram um voto de repúdio, a pedido do senador Fabiano Contarato (PT-ES), contra declarações do presidente da República, Jair Bolsonaro; do vice-presidente, Hamilton Mourão; e do presidente da Funai, Marcelo Xavier, sobre as mortes do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, assassinados em junho passado no Vale do Javari.
Segundo o senador, os representantes do Executivo transferiram de forma inaceitável a responsabilidade pelo crime às vítimas. Contarato pediu respeito e reverência à memória dos dois e disse que "três pessoas revestidas de autoridade pública não contiveram a própria torpeza e investiram contra quem não mais poderia se defender".
O representante do Espírito Santo aproveitou para pedir a inclusão no relatório final de um pedido de criação de uma comissão parlamentar de inquérito para apurar todos os ataques que povos indígenas e o meio ambiente vêm sofrendo no Brasil.
O relator se mostrou contra a iniciativa e disse que, com exceção da CPI da Pandemia, nunca viu alguma comissão de inquérito ter algum resultado prático. Diante do impasse, o presidente da comissão, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), já avisou que vai iniciar a coleta de assinaturas para a instalação do novo grupo de investigação.
A comissão temporária foi criada em 20 de junho para, no prazo de 60 dias, investigar as causas do aumento da criminalidade e de atentados contra povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos na Região Norte e em outros estados, assim como fiscalizar as providências adotadas diante do crime que vitimou Bruno Araújo Pereira e Dom Phillips.
No relatório, os senadores deixam claro que o colegiado temporário não tem poderes de uma comissão de inquérito (CPI) e que a situação dos povos indígenas segue sob acompanhamento da Comissão de Direitos Humanos (CDH).
— Se os problemas apresentados a esta comissão decorrem, como acusam os indigenistas, de desvio de finalidade, é assunto, em última análise, para o Ministério Público e o Poder Judiciário. A nós, do Poder Legislativo, reunidos em uma comissão voltada para a melhor compreensão da violência na Região Norte e o acompanhamento do caso de Dom e Bruno, cabe cobrar providências do Poder Executivo, como já fizemos — disse o relator.
O documento aprovado nesta terça-feira será entregue agora ao Ministério Público, Tribunal de Contas da União, à Presidência do Senado e à CDH.