O Plenário do Senado comemorou nesta segunda-feira (29) os dez anos da Lei de Cotas (Lei 12.711, de 2012), que possibilitou uma inclusão mais numerosa de negros, indígenas, pessoas com deficiência (PCDs) e de baixa renda nas universidades públicas. A sessão foi presidida por Paulo Paim (PT-RS), que destacou que o desempenho acadêmico dos estudantes beneficiados por cotas é a prova de que, muitas vezes, as oportunidades abrem portas para que setores antes excluídos mostrem suas capacidades e talentos.
— Destinam-se 50% de vagas para negros, indígenas, PCDs, estudantes de família com renda igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita, os mais pobres. Entre 2010 e 2019, o número de negros no ensino superior cresceu 400%, provando que a política foi bem-sucedida. A USP [Universidade de São Paulo], por exemplo, foi uma das universidades que quadruplicaram o número de pretos e indígenas. E o Insper [instituição de ensino superior de São Paulo] constatou, baseado no Enem e no Censo da Educação Superior, que as universidades federais não tiveram redução no padrão acadêmico. Aqueles que diziam que ia diminuir a qualidade dos nossos formandos quebraram a cara — comemorou Paim.
O senador também elogiou o Supremo Treibunal Federal (STF), que, ao julgar ações que tentavam derrubar a Lei de Cotas, manteve a norma.
O senador Rafael Tenório (MDB-AL) foi outro que celebrou a maior diversidade que marca as universidades desde a criação da Lei de Cotas.
— O IBGE ratifica que com a Lei de Cotas o número de negros em universidades cresceu 400%. Já o Censo da Educação Superior comprova que a participação de indígenas também aumentou 842%. Todos sabemos o quanto o negro sempre foi discriminado. Me recordo que, no início de minha vida profissional, eu trabalhava num banco particular, e o negro não era discriminado descaradamente, mas era escanteado. Entre uma vaga cedida para um branco ou um negro, mesmo o negro preenchendo todos os requisitos, ele era discriminado. E infelizmente em pleno século 21, ainda predomina em alguns setores o racismo — lamenta o senador.
Alguns dos participantes pediram que o Parlamento e a sociedade aprimorem a legislação a partir da experiência adquirida. Professor na Universidade de Brasília (UnB), Nelson Inocêncio disse que os critérios envolvendo a autodeclaração podem ser aprimorados, pois na prática muitas pessoas que não são negras se declaram negras e preenchem as vagas.
— As fraudes são muitas na medida em que você só teve autodeclaração durante anos a fio. Ter só a autodeclaração como referência para avaliar não é critério e é extremamente danoso, um desserviço. Na UnB participei de comissões que cancelaram diplomas e matrículas por razões óbvias. E só tocamos na ponta do iceberg. Há um contingente imenso de pessoas declaradas negras e que não tem o fenótipo. Então a defesa da banca de heteroidentificação é uma necessidade. Há na pós-graduação, mas não temos comissão de heteroidentificação na graduação, e isso é surreal! As universidades têm autonomia, podem fazer, não dependem do MEC. Já existe demanda na graduação e nos concursos para docentes — afirmou Inocêncio.
David dos Santos, diretor da ONG Educafro, pediu que aprimoramentos na Lei de Cotas beneficiem mais diretamente os negros. Isso porque, para ele, na prática as cotas para negros são subcotas, na medida em que estão interligadas a outros critérios.
— Se vocês avaliarem a subdivisão das cotas e calcularem, na prática as cotas para negros é só de 25%. Nós somos 56,4% do Brasil, porque temos só 25% de cotas? Se avaliarem com precisão o resultado, o principal grupo beneficiado não foi o negro nem o indígena, foram os brancos pobres — 85% dos formados no ensino médio vêm de escolas públicas, então a cota deveria partir de 85% e, ali dentro, contemplar os negros. Mas quando a cota para em 50%, é uma violência contra os negros — disse.
Thiago Thobias, da Comissão de Diversidade e Inclusão da Fundação Getúlio Vargas (FGV), lembrou que muitos cotistas acabam evadindo por não conseguirem se manter financeiramente. Ele cobrou a aprovação da PEC do Fundo da Igualdade Racial (PEC 33/2016).
— Precisamos ter uma política de permanência que garanta o acompanhamento acadêmico quando preciso. E precisamos do Fundo de Promoção da Igualdade Racial. Não é possível que não tenha política para empreendedores negros. Não é possível que uma estatal não coloque política para empreendedores negros. Não é possível que no Orçamento tenha orçamento secreto de bilhões e não tenha uma política para a comunidade negra. Temos que taxar as grandes fortunas. Taxando as grandes fortunas, vem a reparação pelo Fundo da Igualdade Racial — afirmou.
O reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, José Vicente, elogiou a atuação do STF, da ex-presidente Dilma Roussef e do Parlamento no processo de criação e consolidação da Lei de Cotas.
— Quero registrar o papel extraordinário do STF e do Judiciário como um todo. Foram quase 500 mandados de segurança e quatro ações diretas de inconstitucionalidade contra as cotas e o Judiciário entendeu que a lei, além de isonômica, era constitucional. Registro também a postura valorosa da presidenta Dilma, que brindou o Brasil e os negros quando sancionou a lei. Com as cotas nas universidades, foi possível depois dar um salto mais exponencial, que foram as cotas no serviço público. Essas duas medidas são as mais relevantes de políticas públicas afirmativas da história do país — ressaltou Vicente.
O senador Guaracy Silveira (Avante-TO) destacou o papel abolicionista da Princesa Isabel, que assinou a Lei Áurea (Lei 3.353, de 1888). E a presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Bruna Brelaz, criticou iniciativas de deputados que buscam revogar a Lei de Cotas.