A Comissão de Meio Ambiente (CMA) discutiu nesta terça-feira (13), em audiência pública, como erros na condução das políticas de regularização fundiária levam ao aumento do desmatamento e ao estímulo à grilagem de terras.
O debate vai subsidiar a análise de política pública a ser feita pela comissão neste ano. A CMA escolheu acompanhar os impactos ambientais de programas de regularização fundiária, com foco especial na Amazônia Legal. A sugestão de política a ser analisada foi da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA).
O senador Fabiano Contarato (PT-ES), que presidiu a audiência, explicou o que ele espera que esse trabalho revele.
— Com essa avaliação, teremos a oportunidade de mostrar ao Brasil e ao mundo a escolha pela política de destruição que está em curso em nosso país. O desmatamento em todos os biomas segue avançando em ritmo alarmante. Na Amazônia, 2021 alcançou a maior taxa de desmatamento dos últimos 15 anos.
Os convidados afirmaram que erros do governo federal na condução dos processos de regularização fundiária têm estimulado a invasão de terras e direcionado áreas de floresta para finalidades inadequadas. Isso se agrava com a falta de fiscalização sobre o desmatamento ilegal.
Brenda Brito, pesquisadora do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), enumerou os incentivos que existem à invasão e ao desmatamento devido a falhas do poder público. A principal, segundo ela, é que o Executivo tem destinado terras preferencialmente para a titulação privada, o que não é a melhor prática.
— Os procedimentos não seguem prioridades da legislação. A prioridade [deveria ser] para terras indígenas, territórios quilombolas e comunidades tradicionais, unidades de conservação, concessões florestais, reforma agrária e, no final, titulação privada, se não houver nenhuma dessas categorias com demanda incidindo sobre aquele território. Observamos que essa ordem não está sendo seguida.
A responsabilidade por essas decisões é da Câmara Técnica de Destinação e Regularização Fundiária de Terras Públicas Federais Rurais, que reúne vários órgãos federais. Brenda explicou que um decreto de 2020 mudou a forma de atuação da Câmara e levou a esse problema.
A pesquisadora apontou outras distorções, como o fato de as leis atuais não proibirem a titulação de áreas desmatadas e nem exigirem compromissos de recuperação ambiental antes de conceder a titulação. Ela citou ainda, como distorções, a falta de monitoramento, quando há obrigações socioambientais para depois da titulação; e o não estabelecimento de datas-limite para que uma invasão seja regularizada, ou a flexibilização dessas datas.
A distribuição de títulos privados sem esses critérios tem impacto direto no desmatamento. Foi o que explicou Tasso Azevedo, coordenador-geral do Programa MapBiomas, que monitora em tempo real alertas de desmatamento e sua abordagem pelo poder público.
De acordo com os dados do MapBiomas, 76% da área desmatada em 2021 estava em propriedades privadas registradas no Cadastro Ambiental Rural (CAR). O problema é localizado, uma vez que apenas 2% das propriedades do CAR registraram alertas de desmatamento nos últimos três anos.
Tasso destacou o problema da fiscalização insuficiente: desde 2019, 98,6% dos alertas e 99% da área desmatada eram casos com indícios de ilegalidade na ocupação. De lá para cá, apenas 7,7% dos alertas, correspondendo a 27,1% da área desmatada, passaram por alguma ação fiscalizatória. Segundo ele, o Brasil já faz muito bem a detecção do desmatamento, mas ainda peca nas etapas seguintes.
— Precisamos aumentar a probabilidade de que, uma vez identificado o desmatamento, o responsável seja identificado e penalizado, seja com embargo, autuação ou multas. O desmatamento diminui quanto maior for a percepção de penalidade. Também precisamos aumentar a probabilidade de que, mesmo que identificado e penalizado, o benefício que se obtenha do desmatamento não seja maior do que a penalização. Para fazer isso, precisamos impedir que o financiamento público e privado chegue a quem desmata ilegalmente, inviabilizar o acesso ao mercado de produtos originados de desmatamento ilegal e suspender o CAR e a regularização.
Renato Morgado, gerente de programas da Transparência Internacional Brasil, falou sobre o processo de grilagem de terras e como contê-lo. Além do estímulo a invasões, explicou ele, o que alimenta a grilagem são fraudes em sistemas cadastrais, o que inclui a regularização. A principal solução, avaliou, é o fortalecimento da governança fundiária.
— Alguns elementos [são] saneamento e modernização dos registros de imóveis, a criação de um cadastro multifinalitário que integre os diversos cadastros existentes, investir nos sistemas de controle, destinar as terras não designadas e proteger os órgãos públicos de influência indevida. Nenhuma reforma legal ou política pública vai ser efetiva num quadro de fragilização das instituições e de redução de orçamento.
A audiência também ofereceu subsídios para que as ações de regularização fundiária sigam evidências positivas e atendam a propósitos socioambientais. Rodrigo Bellezoni, do Centro de Inteligência Territorial da Universidade Federal de Minas Gerais (CIT-UFMG), apresentou a plataforma Selo Verde, que auxilia no monitoramento da atividade produtiva em áreas rurais para indicar a trajetória de sustentabilidade do uso do território. Segundo explicou, a plataforma segue metodologia com reconhecimento internacional.