Durante o Seminário Inovação & Iniciativas pela Eliminação de Violências contra as Mulheres, promovido pelo Senado nesta sexta-feira (25), senadoras e especialistas alertaram para a necessidade de se avançar na elaboração de políticas públicas efetivas que estejam mais focadas na prevenção desse tipo de violência. Para elas, a troca de experiências entre instituições, órgãos públicos e privados, membros da sociedade civil e outros países pode auxiliar, inclusive, na melhor gestão dos recursos públicos para aplicação de novas tecnologias que promovam a proteção das mulheres, assim como vem ocorrendo em Israel.
O evento ocorreu em alusão ao Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra a Mulher, celebrado no dia 25 de novembro, e contou com a participação da ativista israelense Lili Ben Ami, fundadora da associação Michal Sela Forum, que utiliza instrumentos tecnológicos para combater a violência baseada em gênero. O seminário faz parte da campanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra as Mulheres, que tem como eixo temático compartilhar iniciativas no combate a transgressões política e doméstica contra o sexo feminino.
A senadora Leila Barros (PDT-DF), que também é a procuradora da Mulher do Senado, ressaltou a iniciativa como importante compromisso do Brasil contra todas as formas de preconceito, discriminações e, principalmente, contra a violência de gênero. No entanto, ela lamentou os recentes cortes orçamentários para as políticas públicas de apoio às mulheres e disse que o próximo governo precisa tomar como exemplo o que está ocorrendo em Israel e investir nessas ações preventivas pensando nas ações como política de Estado.
— Quando a gente escuta a Lili falando, é uma questão de política macro. Não adianta cada um na sua ilha desenvolver uma política, sendo que, como o nosso país é continental e é uma situação que exige uma abordagem mais coletiva, de uma política mais consistente em nível de país mesmo, de Estado, a gente tem que de alguma forma buscar esses exemplos, ver as prioridades — disse ao lembrar que o orçamento de 2019 destinado à Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres foi de R$ 71,95 milhões em 2019 enquanto que para 2023 a previsão é de que sejam direcionados R$ 13 milhões.
Amini Haddad, juíza-auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também considerou “inaceitável” que o Brasil tenha cortes orçamentários nessa temática e questionou se essas decisões indicam se o país realmente está compromissado com a pauta.
Lili Ben Ami iniciou o trabalho de mobilização em Israel após o assassinato da sua irmã, que dá nome à instituição, pelo marido. A ONG criou um movimento chamado “Que sua memória seja a revolução” com o objetivo de zerar os casos de feminicídios por ano naquele país. Ela enfatizou o pioneirismo de Israel em tecnologia de segurança interna e inteligência, base para estabelecer parcerias no combate a violência doméstica. Até hoje, segundo ela, mais de 450 ideias tecnológicas foram conceitualizadas e construídas a partir desse trabalho.
— Posso dar um exemplo: uma empreendedora construiu um aplicativo que é um botão de pânico com sua voz. Você escolhe uma palavra, que é um código, que ativa o botão de pânico no aplicativo que manda uma mensagem para duas pessoas que você escolhe, duas pessoas de segurança e se você quiser também pode escolher uma empresa de segurança ou a polícia. Isso liga o celular para gravar tudo o que está acontecendo — citou como exemplo.
O embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zohar Zonshine, destacou que o trabalho feito pela ativista Lili é importante para a criação de um ecossistema entre instituições e empresas buscando a proteção das mulheres, que pode servir de inspiração para o Brasil:
— O trabalho dela é um exemplo do ecossistema israelense na área de inovação, trazendo uma maneira de resolver problemas, trazendo ideias de várias campos de vida para pensar fora da caixa, quebrar as tradições e juntar forças e várias cabeças.
A diretora-geral do Senado, Ilana Trombka, destacou a importância da cooperação e troca de experiencias com outros países para se avançar no combate à violência contra a mulher. Ela citou como exemplo de iniciativa no Brasil a criação e aperfeiçoamento da Lei Maria da Penha.
— Uma mulher que não só dá nome à Lei mas que mudou toda a forma com que trabalhamos a questão da violência doméstica. De outro lado, e infelizmente, as experiencias que nos remetem para dentro da violência doméstica acontecem em qualquer canto do planeta, e por isso é muito bem vinda a presença de doutora Lili Ben Aminesse no Plenário hoje (…) Seja por ela, Michal, seja pela Maria da Penha ou por qualquer uma dessas mulheres que sofrem o feminicídio, que deixam os filhos órfãos, as famílias despedaçadas e que não têm a oportunidade de concluir seu ciclo de vida, por todas elas estamos aqui. Para essa troca de experiencias e para que possamos muito aprender”.
Dados coletados no relatório da Violência contra Mulheres, em 2021, para o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, mostram que no Brasil uma menina ou mulher é estuprada a cada dez minutos; três mulheres são vítimas de feminicídio a cada dia; um travesti ou mulher trans é assassinada a cada dois dias e 21 mulheres sofrem agressão física, por hora. O estudo indica ainda que, entre março de 2020 e dezembro de 2021, ocorreram 2.451 feminicídios e 100.398 casos de estupro e estupro de vulnerável a atingir vítimas do gênero feminino no Brasil.
O cenário, segundo a senadora Ivete da Silveira (MDB-SC), demonstra que “combater a violência contra às mulheres é uma questão humanitária e precisa ser enfrentada pelo poder público”.
Na avaliação da senadora Soraya Thronicke (União-MS), que chegou a concorrer à presidência da República nas últimas eleições, é preciso avançar no combate à violência contra a mulher nas diversas formas de abuso que se concretizam por meio de violência física mas também psicológica, moral, patrimonial e, principalmente, política. Para ela, é preciso muito mais do que a garantia da aplicação da Lei de Combate a Violência Política contra a mulher, sancionada em 2021:
— É preciso muito mais que uma lei para que as mulheres tenham dentro dos seus partidos as mesmas condições de concorrer ao pleito para que não sejam ameaçadas. Para que sejam respeitadas nos eventos políticos, para que não sejam atacadas em sua honra nas redes sociais. Temos muito o que melhorar em relação a isso e dar reais condições para que mulheres queiram participar da política e tenham a segurança de que não serão expostas.
A coordenadora-geral de pesquisa do Observatório Nacional da Mulher na Política (ONMP) e assessora legislativa da Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, Ana Cláudia Oliveira, concordou com a senadora Soraya. Para ela, a Lei de Combate a Violência Política foi um grande passo nesse tema, no entanto, pesquisas desenvolvidas pelo órgão indicam que casos de violência e impedimento para que mulheres ocupem espaços de poder seguem ocorrendo com frequência.
— Hoje em dia, nós temos aqui no Senado cerca de 17% das cadeiras ocupadas por mulheres. Na Câmara, 15%. Para a próxima legislatura, aumentou um pouco na Câmara e diminuiu no Senado, porque essas violências persistem contra as mulheres e impedem que mais mulheres venham para a política e fazem com que as que estão na política não tenham o protagonismo devido — alertou.
A líder da equipe de Governança e Participação Política da ONU Mulheres, Ana Cláudia Pereira, avaliou que um novo significativo avanço na política de proteção seria aprimorar mais a coleta de dados específicos sobre as mulheres para compreender melhor a realidade de cada uma delas e aplicar políticas específicas. Na sua visão, tendo esses dados e com o diálogo aberto com a sociedade, a resposta política e o orçamento público podem chegar de forma mais efetiva em cada localidade:
— O orçamento é uma peça muito importante, seja para monitorar os programas de enfrentamento à violência, como estão sendo executados, seja também para pensar essas outras dimensões, que, como nós já dissemos, são muito importantes para que a mulher, de fato, uma vez que se encontre em situação de violência, consiga sair dela. Então, a gente ter esse retrato, por meio do orçamento, de para onde os recursos públicos vão, como as políticas públicas chegam ou não até as mulheres, vai permitir um aprimoramento e um grande passo.
Maria Terezinha Nunes é coordenadora da Rede Equidade e trabalha há mais de 10 anos com o tema da equidade de gênero e raça no Senado. Ela destacou o protagonismo dos movimentos sociais feministas e da bancada de congressistas mulheres para a promoção de mudanças na legislação e na criação de medidas e iniciativas de apoio a essas mulheres. Citou as medidas de proteção e prevenção da Lei Maria da Penha, além da Lei do Feminicídio e da criminalização do crime de perseguição, tipo penal chamado por muitos pelo termo em inglês — stalking. Para ela, esses são avanços que vêm servindo de referência para o desenvolvimento de ações específicas no ambiente de trabalho do próprio Senado:
— Nós temos colegas de trabalho que já sofreram violência doméstica, nós temos colegas que sofreram assédio. Então, as violências estão presentes, inclusive no mundo laboral, e é importante que a gente se sensibilize e busque debater o assunto. Nós instituímos uma cota de 2% no contrato de terceirização, que vai contribuir para a autonomia econômica das mulheres em situação de violência doméstica familiar. Hoje nós temos cerca de 30 contratadas [nessa condição].
Já a coordenadora do Observatório da Mulher Contra a Violência do Senado Federal (OMV), Maria Teresa Prado lamentou que, mesmo com todos os mecanismos protetivos e punitivos já presentes na legislação brasileira, ainda sejam alarmantes os casos de agressão e feminicídios no país. Nesse sentido, ela defendeu novos avanços em politicas públicas eficazes que venham a estabelecer redes de apoio e priorizar o acesso às informações como medidas preventivas:
— As leis de proteção são importantes, mas o olhar para a prevenção é fundamental: políticas públicas que se orientem por dados exatamente com o objetivo de enxergar onde está o previsível, o que pode ser evitado. Precisamos de maior apoio para as pautas de violência contra a mulher que tramitam no Congresso, sobre proibir o porte de arma a agressores, o aumento da representatividade feminina em espaços de poder e tantas outras pautas.