O Plenário do Senado aprovou nesta quarta-feira (7) a PEC da Transição, que garante R$ 145 bilhões fora do teto de gastos nos orçamentos federais dos próximos dois anos (PEC 32/2022). A PEC também prevê a criação de uma nova regra fiscal, por lei complementar, que substituirá o teto no ano que vem. Foram 64 votos favoráveis em cada um dos dois turnos, havendo 16 contrários no primeiro e 13 no segundo. O texto segue agora para a Câmara dos Deputados.
Cerca de metade desse dinheiro, R$ 70 bilhões, poderá garantir a continuidade do pagamento do Auxílio Brasil, que voltará a se chamar Bolsa Família, no valor de R$ 600 por mês, com uma parcela adicional de R$ 150 para cada criança de até seis anos nas famílias beneficiárias. O cálculo é do autor da PEC, senador Marcelo Castro (MDB-PI). Ele também adiantou que R$ 16,6 bilhões poderão ir para políticas de saúde (como o programa Farmácia Popular), R$ 6,8 bilhões para assegurar o aumento real do salário mínimo e R$ 2,8 bilhões para reajuste salarial de servidores do Poder Executivo.
Os números são estimativas, já que a PEC não estipula como o dinheiro deve ser usado. Castro também é o relator-geral do Orçamento de 2023 (PLN 32/2022).
Além de não entrarem no teto de gastos, os R$ 145 bilhões anuais não serão considerados para o cálculo da meta fiscal dos próximos anos e não precisarão seguir a “regra de ouro” da Constituição. Essa regra proíbe o governo federal de contrair dívidas para pagar despesas correntes (salários, materiais, contas de água e luz e outros gastos de manutenção da máquina pública). As únicas despesas que podem ser cobertas por operações de crédito são despesas discricionárias (obras e investimentos) e o refinanciamento de dívidas.
A primeira versão da PEC previa retirar o Auxílio Brasil da regra do teto de gastos por quatro anos. O relator, senador Alexandre Silveira (PSD-MG), mudou a fórmula para um valor fixo, que pode abranger várias despesas, e reduziu o prazo da excepcionalidade para dois anos. O valor começou em R$ 175 bilhões e, durante os debates no Senado, chegou a R$ 145, bilhões.
— Duas coisas foram fundamentais, na minha percepção: limitarmos o valor e não deixarmos em aberto apenas um programa. Isso fez com que construíssemos não só a maioria mas, principalmente, uma larga aceitação na sociedade. Aquele sentimento de que teríamos ruído no mercado foi superado — explicou Silveira.
Castro explicou por que a PEC cria exceção no teto de gastos para além do ano de 2023. Segundo ele, o motivo é a elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, que precisa acontecer no primeiro semestre, antes do estabelecimento da nova regra fiscal que vai vigorar a partir de 2023.
— Quando chegar em abril do próximo ano, o próximo presidente será obrigado a enviar para este Congresso a LDO. Como ele vai fazer isso se nós não soubermos como vai ficar 2024? Para isso, seria necessário aprovar uma nova PEC entre janeiro e abril. Me parece um contrassenso.
Outra novidade do relatório é a determinação de que o próximo governo encaminhe para o Congresso, até o final de agosto do ano que vem, a proposta de um novo regime de controle dos gastos públicos. Essa regra substituirá o atual teto de gastos e deverá ser uma lei complementar — e não mais parte da Constituição Federal. A PEC determina que o novo sistema seja “sustentável”, garanta a estabilidade da economia e o crescimento socioeconômico.
O teto de gastos foi estabelecido em 2016. Ele restringiu o crescimento real dos gastos de cada poder por 20 anos. O limite varia apenas de acordo com o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) do ano anterior. Há algumas exceções, como transferências constitucionais, créditos extraordinários e custeio das eleições.
Com a aprovação na nova regra fiscal no próximo ano, o teto de gastos será revogado.
A PEC também retira do teto de gastos, de forma permanente, uma série de outras despesas que tenham custeio próprio:
Projetos socioambientais ou relativos às mudanças climáticas, se custeados por doações ou acordos judiciais
Obras de infraestrutura em plano integrado de transportes, se custeadas por operações de crédito com organismos multilaterais
Obras e serviços de engenharia, se custeados por transferências dos entes da federação para a União
Despesas das instituições federais de ensino e das Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICTs), se custeadas por receitas próprias, doações ou convênios
As doações para projetos ambientais e instituições de ensino passarão a ficar isentas de tributação.
Além disso, a PEC permite o uso de 6,5% do excesso de arrecadação de 2021 — avaliado em R$ 22,9 bilhões — por fora do teto de gastos no próximo ano para uso em investimentos.
Em outra frente, o texto flexibiliza a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para que o governo não seja obrigado, em 2023, a indicar a fonte das receitas adicionais para o pagamento do Auxílio Brasil e do Auxílio Gás. A LRF proíbe expressamente que se aumente despesas permanentes sem indicar a fonte de recursos, sob pena de crime de responsabilidade.
Uma das últimas mudanças acrescentadas ao relatório foi uma permissão referente ao uso de verbas dos Fundos Nacionais de Saúde e de Assistência Social. As transferências feitas desses fundos diretamente para os de estados e municípios para ações contra a pandemia de covid-19 poderão ser usadas até o fim de 2023.
A PEC também abre espaço para que a equipe de transição insira gastos no Orçamento de 2023, através das emendas do relator-geral. Segundo o texto proposto, o relator poderá apresentar emendas relativas a pedidos da transição e elas não precisarão seguir os limites aplicáveis às emendas orçamentárias. Essas emendas deverão ser classificadas, excepcionalmente, nas rubricas RP 1 (despesa primária obrigatória) ou RP 2 (despesa primária discricionária), em vez de na rubrica RP 9, que identifica as emendas de relator.