O coordenador de Estudos de Mercado da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), Vitor Hugo Ferreira, disse em audiência na Câmara dos Deputados que o modelo de negócio usado pela 123milhas – venda de passagens futuras e transações com milhagens – não é ilegal, mas precisa ser regulado. Segundo ele, o Ministério da Justiça está preocupado com a crise de médio prazo que o caso da empresa pode gerar no setor de turismo no País. A audiência foi promovida nesta quarta-feira (13) pelas comissões de Defesa do Consumidor e de Fiscalização Financeira e Controle.
Ferreira explicou que, além de outras empresas semelhantes ficarem sob suspeita, outros negócios como hotéis, locadoras e agências locais estão sofrendo reflexos do descumprimento de contratos. Ele disse que todas as empresas que vendem passagens por meio de plataformas digitais foram notificadas pela Senacon para prestarem esclarecimentos.
O ministro do Turismo, Celso Sabino, disse que a Pasta está estudando a fundo o modelo de negócios da 123milhas. “Nós vamos entregar um relatório que vai dizer se o modelo é seguro ou não. Ou se só será seguro se for feito isso e aquilo. E aí o Congresso Nacional, em parceria com o governo, vai buscar uma regulamentação dessa nova atividade com base nesse evento que aconteceu”, explicou.
Modelo "danoso"
Já o gerente de Regulação das Relações de Consumo da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Yuri César Cherman, disse que o modelo de negócio da 123milhas se revelou “danoso”. Segundo ele, a empresa vendia passagens que não existiam.
“A 123 comercializava bilhetes que não existiam nos sistemas das empresas aéreas. Eram bilhetes hipotéticos para datas futuras e incertas em valores arbitrados pela 123. E eu digo arbitrado porque realmente era impossível saber qual seria o valor que futuramente seria cobrado pelas empresas aéreas. Eram passagens para daqui a 2, 3 anos, sendo que as empresas vendem bilhetes para no máximo 1 ano”, disse.
Yuri disse que as empresas aéreas confirmaram que não tinham acordos com a 123milhas e que a plataforma digital acessava as contas das pessoas que vendiam milhas após o repasse do login e da senha, o que ele chamou de “fraude", porque as empresas não permitem o compartilhamento desses dados.
Ainda segundo o gerente da Anac, as empresas aéreas afirmaram que não vão rejeitar passagens já emitidas pela 123milhas, mesmo que a empresa não pague. Ele disse que, caso isso aconteça ou se a passagem for cancelada de alguma forma, o consumidor deve registrar o fato no portal consumidor.gov.br.
Venda de milhas
Milton Zuanazzi, secretário de Planejamento do Ministério do Turismo, disse que o setor do Turismo não tem uma regulação própria. Ele afirmou que a venda de milhas, como é feita hoje, fere a Lei Geral de Proteção de Dados e já é questionada na Justiça pelas companhias aéreas. Ele também citou como irregular o fato de que a 123milhas contabilizava como ativos os gastos com publicidade.
O deputado Celso Russomanno (Republicanos-SP) argumentou que as empresas aéreas não podem condenar os clientes que vendem milhas porque elas também vendem. Além disso, para acumular milhas no cartão, por exemplo, é preciso pagar taxas. O deputado disse que as milhas não usadas são estimadas em R$ 3 bilhões. “Se o consumidor tem ônus para comprar essas milhas, ele tem o direito de vender. As companhias aéreas não podem vir aqui e dizer que as milhagens não podem ser vendidas. Tá tudo errado”, disse.
Arthur Rollo, presidente do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor, também afirmou que outras empresas do setor devem apresentar problemas por causa da 123milhas. Ele pediu à Justiça que permita aos consumidores lesados e que estão pagando a 123milhas de forma parcelada suspender os pagamentos.
Propagandas
Para o deputado Duarte Jr. (PSB-MA), é desrespeitoso ver a propaganda da 123milhas nos aeroportos. Ele solicitou a retirada das peças publicitárias e anunciou requerimento para que o Ministério da Fazenda explique se não deveria ter fiscalizado a empresa por captação de poupança popular.
“Pegaram dinheiro do consumidor, chamaram o consumidor para o investimento, mas o consumidor não sabia que estava investindo. A captação de recursos de poupança popular, de acordo com a lei 5.768, de 1971, tem que ter autorização do Ministério da Fazenda, da Receita Federal, e não teve”, apontou.
O presidente da Comissão de Defesa do Consumidor, deputado Jorge Braz (Republicanos-RJ), disse que alertas sobre os riscos da 123milhas deveriam ter sido disparados por vários órgãos e que é preciso saber por que isso não ocorreu. Os donos da 123milhas foram convidados para a audiência, mas alegaram outros compromissos e não compareceram.