A nova Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429, de 1992) proposta no PL 2.505/2021 ainda não é consenso e terá sua discussão aprofundada no Senado. Em sessão temática nesta terça-feira (3), parte dos senadores e de representantes dos gestores municipais se mostrou favorável ao texto aprovado pela Câmara dos Deputados em 16 de junho, enquanto outros parlamentares e membros do Ministério Público defenderam que o assunto seja mais bem analisado. A matéria aguarda designação de relator pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.
Autor do requerimento para a sessão de discussão, o senador Nelsinho Trad (PSD-MS) ressaltou que a responsabilização pura e simples dos agentes políticos, prevista na LIA, não parece justa. Ele esclareceu, no entanto, que o debate ajudará os parlamentares a formarem juízo mais claro sobre o tema, dando a cada um a condição de discutir e votar o texto no Plenário. Para Nelsinho, o aperfeiçoamento da lei deve ser feito de modo a garantir sua aplicabilidade com justos efeitos de responsabilização, “o que jamais deve ser confundido com impunidade”.
— Apesar de estarmos nas Olimpíadas, isso aqui não é um campo de batalha. Nós queremos aprender para podermos emitir um juízo mais perfeito. Não são raros os campos de exposição indevida da imagem do gestor público. Investigação e controle do Estado são absolutamente necessários em vista da defesa do bem público. Mas é preciso avançar no debate e estabelecer critérios no sentido de combater abusos de autoridade — observou.
Nelsinho ressaltou que o projeto foi aprovado na Câmara por ampla margem de votos, resultado do trabalho de juristas que se uniram em uma Comissão Especial sob a presidência do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Mauro Campbell. O senador acrescentou ainda que o novo texto legal buscou incorporar jurisprudências dos tribunais, de modo a ajudar a evitar injustiças.
O senador Lasier Martins (Podemos-RS) ponderou que o tema merece ser aprofundado. Para ele, acima de tudo deve estar a defesa do patrimônio público. O parlamentar disse que o texto da Câmara tem “inúmeros pontos questionáveis” e pediu que as comissões do Senado discutam melhor o tema. Ele considerou curta e rápida a aprovação da matéria pelos deputados e afirmou que o Senado não deve proceder com a mesma pressa.
— Uma coisa é debater em recintos reservados. Outra coisa, é nas comissões. Não se pode trocar uma lei da improbidade por uma lei da impunidade, não podemos admitir que se crie uma pecha na Lei da Improbidade — defendeu.
Na opinião do senador Antonio Anastasia (PSD-MG), não se pode permitir que gestores honestos fiquem temerosos de desempenhar a função. Para ele, a modificação da norma legal é necessária com o acolhimento de jurisprudências do STJ. Ao elogiar o debate desta terça-feira, o parlamentar mineiro também considerou importante o aprofundamento da discussão no Parlamento.
— Nós, congressistas, não pretendemos jamais passar a mão na cabeça de pessoas criminosas. Mas devemos dar o mínimo de condição para a gestão pública funcionar de maneira segura, para que o Brasil se desenvolva corretamente —declarou.
O senador Esperidião Amin (PP-SC) concordou com as opiniões de Lasier e Anastasia e disse ser necessário buscar equilíbrio. Amin sugeriu o destacamento de pontos controversos da matéria e a discussão deles por ordem de prioridade.
Para o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), é primordial o aprimoramento da lei, sem deixar de se garantir a segurança do bem público. Ele defendeu que a matéria seja discutida em comissões como a de Constituição e Justiça (CCJ) sem adiamentos. E que um cronograma de audiências seja estabelecido para este semestre.
— O que ficou certo no debate de hoje é a necessidade de correções na LIA, e isso está constante nas falas de todos os técnicos ouvidos e dos nossos companheiros integrantes do Senado que daqui participaram.
Já o senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) destacou a amplitude do assunto e também pediu o aprofundamento do debate junto às comissões do Senado. Segundo ele, a lei atual é “injusta com quem faz a coisa certa por um lado”. Mas o senador disse que o conjunto legislativo, por outro, atrai gestores mal-intencionados. Segundo o parlamentar, a discussão deve ter a participação também da sociedade civil, a fim de que o novo texto traga uma política “mais justa, transparente e honesta”.
A Lei de Improbidade Administrativa completou 29 anos de vigência em 2 de junho. Ao longo dessas quase três décadas, o texto passou por profundos debates jurídicos, referentes ao conjunto da obra e, de forma específica, aos entraves da efetividade e ao combate aos atos de improbidade. O PL 2.505/2021 foi aprovado na forma de um substitutivo do deputado Carlos Zarattini (PT-SP).
O presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, ressaltou que, embora a LIA seja aplicada em todos os municípios, há situações diferenciadas que prejudicam cidades pequenas. Segundo ele, quanto menor, mais fiscalizado é o município. E isso tem levado as pessoas a desistirem de se candidatar para administrar localmente. Para Ziulkoski, a lei da improbidade não é clara, está em aberto e precisa ser regulamentada, com vistas à melhoria de sua aplicação. O debatedor defendeu que o Senado acate o projeto aprovado na Câmara, por considerar que o texto proporciona segurança jurídica às administrações municipais.
— Estamos vendo prefeitos, ex-prefeitos e pessoas se negando a participar da gestão pública não por falta de vontade, mas porque, ao assumir uma prefeitura, no dia seguinte, já se está respondendo a ações por improbidade, seja na área que for. Na prática, estamos desqualificando a gestão pública. A lei precisa ser aplicada com mais racionalidade — argumentou.
Ary Vanazzi, prefeito de São Leopoldo (RS) e presidente da Associação Brasileira de Municípios, disse ter enfrentado situações adversas ao longo dos quatro mandatos exercidos por ele na prefeitura. O debatedor considerou necessário proteger os agentes públicos do país “que se dispõem a fazer uma boa gestão”. E se mostrou favorável ao texto aprovado pelos deputados.
Uma das principais mudanças do projeto da Câmara é a punição apenas para agentes públicos que agirem com dolo, ou seja, com intenção de lesar a administração pública. O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas ou a interpretação da lei sem comprovação de ato doloso com fim ilícito também afastam a responsabilidade do autor.
O ministro Mauro Campbell destacou o trabalho da comissão de juristas para sugerir, por exemplo, a não criminalização de improbidade baseada em negligência, imprudência ou imperícia. Ele manifestou preocupação com o fato de o substitutivo da Câmara ter fixado em oito anos o prazo para prescrição de crimes contra o erário, o que, na opinião dele, pode resultar em anistias.
— A Câmara Federal alterou o projeto original para reduzir para oito anos. Porém, trouxe a figura da pressão intercorrente, até então barrada pelo Superior Tribunal de Justiça em suas interpretações. Isso, a priori, era tranquilizador por completo, mas depois houve uma aflição um pouco maior na medida em que se fixou que, na retomada após suspensão desses prazos intercorrentes, a prescrição seria reduzida à metade.
Na opinião do presidente da Associação Nacional dos Procuradores das República (ANPR), Ubiratan Cazetta, a reforma do texto sob a perspectiva dos gestores municipais pode impedir que a LIA iniba a punição de atos criminosos. Para ele, a definição do crime de dolo no substitutivo da Câmara é rígida e redundante a ponto de quase impossibilitar sua aplicação.
— Acho, sim, que a improbidade deve ser tratada como conduta essencialmente dolosa, mas a definição de dolo específico que nos foi trazida — e, aí, nenhuma crítica ao Deputado Carlos Zarattini — é de tal forma que praticamente impossibilita a prova.
O presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Manoel Victor Sereni Murrieta e Tavares, considerou que a revisão do texto ajudará a trazer melhorias para os gestores municipais, proporcionando mais profissionalismo na aplicação da lei. Para ele, o principal avanço do PL é desobrigar os membros do MP da aplicação da persecução civil contra gestores comprovadamente bem-intencionados.
Por outro lado, Tavares manifestou preocupação com pontos do texto como o prazo determinado de um ano para a conclusão das investigações de crimes de improbidade.
— Nós sabemos que muitas das investigações que o Ministério Público realiza não dependem simplesmente da sua atuação; dependem de informações de órgãos externos, de diligências externas, de perícias dos tribunais de contas — perícias complexas —, enfim, de várias situações que não estão na sua governabilidade para que venham trazer o respeito a esse prazo máximo de um ano para as investigações. Então, com isso, nós temos que verificar que, encerrado o prazo de um ano e, se o Ministério Público ainda tiver diligências imprescindíveis a realizar, ainda a depender de informações externas, essa investigação será arquivada? Qual é o critério de promoção, de preservação, de defesa do patrimônio público que encontra razoabilidade nesse caso? — questionou.
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