Apontado como o real "número dois" do Ministério da Saúde ou como o “ministro político” na gestão do general Eduardo Pazuello, o empresário Airton Soligo, também conhecido como Airton Cascavel, foi ouvido nesta quinta-feira (5) pela CPI da Pandemia para esclarecer sua atuação inicialmente informal e de junho de 2020 a março de 2021 formalizada como assessor especial da pasta.
Munido de habeas corpus, concedido pelo ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal (STF), para permanecer em silêncio em perguntas que possam incriminá-lo, o ex-deputado federal e ex-secretário de Saúde de Roraima disse que conheceu Pazuello quando o então coronel comandava a Operação Acolhida, criada para receber os venezuelanos que chegavam a Roraima.
Foi posteriormente convidado por Pazuello para auxiliar na interlocução jurídico-institucional do Ministério da Saúde, quando o militar ainda era secretário-executivo da pasta, à época, sobre o comando do ministro Nelson Teich.
Foi Teich quem o convidou posteriormente, em 12 de maio de 2020, para ser assessor especial do ministério, nomeação só efetivada mais tarde, em 24 de junho — já com Pazuello no comando do órgão. A demora foi justificada pelo depoente por questões de afastamento legal de empresas das quais participava e da rejeição do seu nome na Casa Civil.
Ao afirmar que militares não têm o “traquejo político do trato”, Cascavel explicou que teve a função de “fazer acontecer”. Participou, até mesmo, como “interlocutor” do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasem).
— Nunca houve um processo de terceirização de competências. Trabalhava na interlocução com secretários, prefeitos, parlamentares, ou seja, era o facilitador. Vivíamos um momento dramático em junho [de 2020] — explicou o empresário.
Para a senadora Simone Tebet, “houve dolo do Ministério da Saúde ao deixar de garantir vacinas, medicamentos e tentar transferir as responsabilidades para municípios e estados”. A senadora enfatizou que, durante a atuação de Cascavel como assessor especial, a pasta alterou o Plano de Contingência Nacional para o combate à covid-19.
— A execução é tripartite, mas a coordenação geral deve ser da União. Sem planejamento, estados e municípios ficam sem pai nem mãe. Não houve coordenação. “Toma que o filho é seu”. Foi isso que foi dito para estados e municípios. É por isso que faltou kit intubação, sedativo e oxigênio. Porque o governo simplesmente lavou as mãos. Houve omissão dolosa — afirmou.
Depois de visita ao Amazonas em quatro oportunidades no mês de dezembro de 2020, quando se iniciou a grande crise pandêmica no estado (segunda onda), Cascavel disse que se reuniu com o secretário de Assuntos Estratégicos do ministério e integrantes do Centro de Operações de Emergência (COE), ocasião em que apontou sua percepção do que iria acontecer.
— Disse: no Amazonas se avizinha uma situação. Se preparem, dotem o Amazonas de meios, precisa mandar respiradores e montar UTIs — expôs Cascavel.
Segundo o ex-assessor, a pasta desenvolveu um plano para o enfrentamento da covid-19 e enviou cerca de 90 respiradores para o estado, foram abertas vagas em hospitais e muitos pacientes foram transferidos para outros estados do país. O problema do oxigênio só foi solucionado com a implementação de usinas.
Mas para os senadores do estado, muito pouco foi feito pelo ministério para evitar a tragédia vivida localmente. Eduardo Braga (MDB-AM) enfatizou que alertou o ministério, em reunião em 16 de dezembro com a presença de Cascavel e Pazuello, sobre o caos que iria se instalar no Amazonas, já com base em situação caótica registrada ainda na primeira onda.
— O ministro Pazuello não pode alegar desconhecimento, desinformação. O Ministério da Saúde não pode alegar desinformação e desconhecimento. Estava informado. Não estava nada bem e houve, sim, omissão por parte do Ministério da Saúde e, lamentavelmente, houve por parte do governo do Estado do Amazonas incompetência, falta de planejamento e falta de amor para com o povo do Amazonas que sofreu e sofreu muito diante do aconteceu com a falta de oxigênio e de medicamentos na nossa cidade.
Presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM) apontou que em 26 de dezembro o governador do Amazonas decretou o lockdown, mas houve colocações contrárias do presidente Jair Bolsonaro, de deputados federais e de outros, e a medida acabou sendo revogada, o que levou ao crescimento do número de casos no estado.
Omar lembrou ainda que parte dos equipamentos enviados para Manaus não foi usada porque não contava com bombas de infusão. O senador lembrou ainda que nada foi feito com a oferta de ajuda pela Venezuela.
— Vocês todos cruzaram os braços. Aquela segunda onda que começa e tem falta de oxigênio poderia ter sido evitada. O grande problema foi a omissão. Com isso, tivemos o caos. Pelo recuo do lockdown. E quem fez esse recuo? Deputados bolsonaristas, o próprio presidente da República e o Ministério da Saúde, que não tinha autonomia — disse Omar.
O senador Marcos Rogério (DEM-RO) salientou que o caso amazonense é emblemático e é preciso aprofundar investigações.
— Isso aconteceu em grande medida pela negligência do estado do Amazonas. Em julho houve pedido de aditivo do contrato de oxigênio e não fizeram. Houve incompetência do governo do estado.
Para Simone, “houve dolo do Ministério da Saúde ao deixar de garantir vacinas, medicamentos e passar as responsabilidades para municípios e estados”.
A primeira negociação de vacinas teria sido feita com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em junho ou julho de 2020, segundo Cascavel, quando foi firmado o entendimento de transferência de tecnologia.
Questionado pelo relator, Renan Calheiros (MDB-AL), sobre as negociações com a Pfizer, Cascavel afirmou que seu foco era as intermediações políticas e não vacinas, área que não lhe cabia atuar, competência exclusiva da secretaria-executiva
Quanto às negociações da CoronaVac, o depoente declarou que também ficou restrito às interlocuções políticas e que antes de 20 de outubro, data do anúncio da efetivação da compra da vacina do Instituto Butantan, já estava tudo pacificado para a compra do imunizante. No dia seguinte, 21 de outubro, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que já havia mandado suspender a aquisição.
Ao senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Cascavel afirmou que houve politização em relação à vacina e que isso partiu de todas as partes. Contudo, disse que não poderia declarar nomes, quando lhe perguntaram quem se manifestava contra as vacinas, em especial, a CoronaVac.
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