Progredir no cumprimento de pena para o regime aberto, na condição de paciente psiquiátrico, com diagnóstico de esquizofrenia e sem nenhum parente em Uberlândia seria um grande desafio para o detento Halyson Lima Alves. Abandonar a medicação e o acompanhamento médico, deixar de ser responsável por suas ações, voltar a cometer crimes e, consequentemente, reingressar no sistema prisional seria um desfecho triste, mas possível. Felizmente, graças a uma articulação do Sistema Prisional com a Defensoria Pública e o Tribunal de Justiça, isso não aconteceu.
Após sete anos preso no Presídio de Uberlândia I (Professor Jacy de Assis), no Triângulo Mineiro, Halyson embarcou no aeroporto de Uberlândia, escoltado por dois policiais penais, em um voo para Campinas (SP). Fez conexão com os policiais para a cidade de Juazeiro do Norte (CE), para, em seguida, viajar 70 quilômetros de carro até Brejo Santo (CE), onde voltou a morar com o pai, a mãe e um filho. Durante todos os anos de prisão em Minas Gerais, a família sempre esteve a mais de 2 mil quilômetros de distância.
O reencontro da última semana foi possível com o apoio da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), que conseguiu que o juiz da Comarca de Uberlândia vinculasse o regime aberto à prisão domiciliar, para tornar possível a escolta até o Ceará e o retorno de Halyson para morar com sua família.
A subdiretora de Humanização do Atendimento do Presídio de Uberlândia I, Janaína Pessoa, faz questão de deixar claro o significado do conceito de ressocialização no sistema prisional: oferecer dignidade, tratamento humanizado, conservando a honra e a autoestima do preso. “Foi emocionante fazer parte desta força-tarefa em busca do retorno de Halyson à família. É o resultado esperado, diante de um trabalho árduo, cheio de limitações. A união das forças e o trabalho em equipe fazem toda a diferença”, avalia.
Agora, Halyson cumpre prisão domiciliar em Brejo Santo (CE), e seu vínculo é com o Tribunal de Justiça do Ceará. Uma vez por mês, ele tem que se apresentar no fórum do município para assinar o termo de compromisso do regime aberto com prisão domiciliar.
Trajetória
Em meados de 2013, quando estava preso na Penitenciária de Uberlândia I (Professor João Pimenta da Veiga), Halyson recebeu alvará de soltura e foi recebido pela mãe e um tio, sendo levado de volta ao Ceará. Mas em 2014 ele retornou para a Região do Triângulo Mineiro, onde cometeu novos crimes e, por relatos muitas vezes desconexos, devido aos transtornos mentais, parece ter sido morador de rua. No reingresso ao sistema prisional foi conduzido para o Presídio de Uberlândia.
Por se tratar de paciente psiquiátrico, foi acompanhado pelo Serviço de Saúde Mental do município, com passagens pelo Ambulatório de Psiquiatria da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), por um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), e ainda pela equipe Psicossocial e de Saúde da unidade prisional, bem como pelo Projeto Além das Grades. Ele esteve acolhido em uma das celas no Núcleo de Saúde, por ser uma pessoa com dificuldade de se assumir como sujeito responsável por suas ações, necessitando de apoio e atenção diferenciados, incluindo medicação supervisionada.
No fim de 2019, por meio de diversas buscas dos profissionais do Serviço Social do presídio, foi possível conseguir o telefone da mãe, mas os contatos eram limitados pela dificuldade de acesso ao sinal telefônico. Foi um trabalho de investigação, com a ajuda de servidores do fórum, da Polícia Militar e do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas).
Em abril de 2020, Halyson progrediu para o regime semiaberto, com benefícios externos, mas cumpriu todo o período dentro da unidade prisional por não ter condições de sair, nem estrutura familiar na cidade. Por isso, o contato com os parentes foi intensificado por meio de chamadas de vídeo com a mãe, a irmã e o filho, permitindo ao detento resgatar os vínculos afetivos.
Companheirismo
No Núcleo de Saúde do Presídio de Uberlândia, Halyson teve um companheiro de cela chamado Sebastião Lino. Ele não tem diagnósticos de transtornos mentais, mas um sério problema de coluna. O Lino, como é chamado pelos servidores da unidade, tornou-se “irmão” de Halyson e teve papel fundamental no tratamento e na melhora de seu colega.
“Sempre falei com ele sobre a importância de tomar corretamente os remédios e de parar de pensar no passado. Quando começava a bater com a cabeça contra a parede, eu conversava com ele e conseguia acalmá-lo. Aprendi com Halyson a ter paciência e a fazer origami”, relata Lino.
Halyson aprendeu a fazer origami quando esteve preso na Penitenciária de Uberlândia. Após apresentar melhoras significativas na saúde mental, relembrou das técnicas da arte japonesa de dobradura de papel e passou a ensinar ao colega que se tornou um grande amigo, considerado, por ele, um irmão.
A assistente social Márcia Aurélia Caldeira tornou-se a “mãe mineira” de Halyson. A psicóloga era a avó, um dos policiais penais atuantes dentro do pavilhão carcerário era o pai. Essas relações de parentesco eram apenas uma forma de o paciente se sentir seguro e acolhido, pois ele sabia exatamente quem era quem, explica a assistente social.
Um dos maiores medos e vergonha de reencontrar a família era a falta de praticamente todos os dentes da arcada dentária superior. Quem resolveu o problema foi uma dentista da unidade, encomendando uma prótese total removível (PTR). Foi o suficiente para o restabelecimento de um largo sorriso e mais um estímulo para o retorno ao lar.
“Já tivemos diversos pacientes psiquiátricos aqui no presídio, mas este foi um caso especial. Conseguimos, graças ao apoio de muitos profissionais, ajudar e encaminhar o Halyson, com os devidos cuidados necessários, para junto de sua família. Temos mantido contato com ele por telefone”, conta a “mãe mineira”.
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