Em 2012, o consultor farmacêutico Carlos Santarem ficou incomodado por não saber nem como dar "bom dia" aos estudantes surdos inscritos em um curso seu, ministrado a três mil empregados de uma fabricante de remédios em Goiás. Ele precisou da ajuda de um intérprete, que traduziu o conteúdo de suas aulas para a língua brasileira de sinais (libras). Foi assim que os funcionários surdos da fábrica puderam acompanhar o treinamento.
— Eu estava ali para ensinar e não sabia nem como dar "oi". Aquilo mexeu muito comigo — diz Santarem.
Desde então, o consultor passou a prestar atenção no assunto e decidiu aprender libras. Estudou e foi batizado: na comunidade surda, o batismo é o momento em que uma pessoa recebe uma identidade em Libras. Uma pessoa surda conversa com ela, observa suas características e então cria para ela um sinal de identificação visual.
O próximo passo de Santarem foi buscar uma ferramenta que traduzisse para Libras o conteúdo do site de sua pequena empresa de consultoria. Pesquisando na internet, ele encontrou algumas soluções pagas, que não podia custear, e, finalmente, descobriu o VLibras, um tradutor gratuito, desenvolvido pelo governo.
— Eu mesmo instalei o programa no meu site.
Ao perceber que a instalação do programa era fácil, o consultor teve uma ideia: para ele, empresas e órgãos de governo deveriam ser obrigados por lei a oferecer o VLibras ou outro tradutor em seus portais.
— Leva 15 minutos. Qualquer criança que conheça um pouco de HTML pode fazer a instalação — diz.
O consultor entrou no site do Senado e cadastrou sua proposta no e-Cidadania. Publicada a ideia, ele enviou mais de quinhentas mensagens de WhatsApp e e-mail à sua lista de contatos, pedindo apoio à causa. Também foi atrás do e-mail institucional de cada um dos 81 senadores e escreveu para todos eles.
Santarem recebeu a resposta de um gabinete. A equipe do senador Alessandro Vieira (Cidadania/SE) entrou em contato com o cidadão, elogiando sua proposta e querendo entendê-la melhor.
— Conversamos bastante.
Ao final de quatro meses da publicação no portal e-Cidadania, a ideia de Santarém tinha 1,2 mil apoios — e não alcançou, portanto, os 20 mil apoios necessários para que seguisse à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) como sugestão legislativa. Mas Alessandro apresentou o projeto de lei (PL) 1.090/2021, “inspirado em ideia legislativa proposta por cidadão identificado como Carlos Alberto Santarém Santos”.
Na justificativa, o senador destacou que a acessibilidade também se aplica a “normas para suprimir barreiras e obstáculos nos meios de comunicação”.
— Estou muito feliz. O projeto apresentado é muito melhor do que eu havia imaginado.
A ideia legislativa é um programa do Senado Federal criado para que qualquer cidadão brasileiro possa enviar suas próprias sugestões de lei ao Parlamento. Quando uma ideia é publicada, ela ganha uma página no Portal do Senado. A partir de então, pode receber apoiamentos — uma espécie de abaixo-assinado digital.
Se no prazo de quatro meses da publicação uma ideia legislativa alcançar 20 mil apoios, ela é transformada em sugestão legislativa e encaminhada à CDH. Desde a criação do programa, em 2012, 31 ideias legislativas se transformaram em propostas de emendas à Constituição (PECs) ou em projetos de lei.
Da Redação, com Ricardo Vaz, do e-Cidadania
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