Divididos entre a manutenção dos recursos constitucionais à educação e o equilíbrio fiscal de estados, municípios e Distrito Federal, senadores ouviram especialistas e debateram nesta terça-feira (24), em sessão temática, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 13/2021, que desobriga os entes federativos da aplicação de percentuais mínimos de suas receitas no ensino durante o exercício de 2020, primeiro ano da pandemia.
A votação da PEC, que tem como primeiro signatário o senador Marcos Rogério (DEM-RO), estava prevista para a última terça-feira (17), mas foi retirada de pauta depois que o senador Flávio Arns (Podemos-PR) solicitou a sessão de debates, coordenada pelo presidente da Comissão de Educação, senador Marcelo Castro (MDB-PI).
Para Arns, a PEC pode abrir um perigoso precedente e incentivar o descumprimento dos investimentos mínimos em educação. O parlamentar enfatizou que estudo feito pela Consultoria do Senado apontou que apenas 280 municípios brasileiros e um estado não conseguiram cumprir a destinação mínima de 25% para manutenção e desenvolvimento do ensino, conforme determina a Constituição.
— Isso representa apenas 5% dos municípios, ou seja, quase a totalidade aplicou os percentuais mínimos. Não podemos retirar recursos da educação, temos de acrescentar sempre que possível — afirmou o senador.
Para não penalizar esses entes federativos, Arns propôs substituir a proposta de anistia por compensação, nos anos de 2022/2023, dos valores não aplicados em 2020, de forma a tornar possível o cumprimento das metas pelos municípios e estados.
— Assim não se criaria um precedente e haveria a compensação constitucional.
Para Lasier Martins (Podemos-RS), vive-se uma circunstância excepcional, “verdadeiro tempo de guerra contra uma pandemia devastadora”, e diante dessa realidade não se pode perder de vista a situação enfrentada pelos prefeitos.
— No meu estado, vimos minguar as receitas das prefeituras; municípios turísticos perderam receita. Houve agravamento da situação de saúde e social, com necessidade de desviar verbas para outras rubricas indispensáveis. Sou a favor da educação, mas precisamos colocar tudo isso na balança — expôs Lasier.
Relatora da PEC, Soraya Thronicke (PSL-MS) relatou ter sido procurada por prefeitos que admitiram sobra de recursos destinados à educação, mas que não conseguiram aplicá-los em 2020. Apesar de a arrecadação ter aumentado, disse a senadora, os gastos diminuíram.
— Por isso, queremos ouvir a todos. É importante a participação da sociedade, dos demais gestores, para que possamos compreender essa situação, já que os gestores alegam que os 25% vinculados à educação só podem ser utilizados para custeio, e não para investimentos. Queremos, acima de tudo, proteger as nossas crianças e adolescentes — disse a senadora, que apontou possível deliberação da matéria em Plenário nesta quinta-feira (26).
Diversos senadores apresentaram emendas ao texto.
A PEC é resultado de uma solicitação da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Segundo a consultora da instituição, Marisa Abreu, não há como penalizar gestores pelo não cumprimento dos 25%, diante de um cenário que apresentou receita crescente, em contraste com o congelamento de despesas com pessoal e aulas ainda não totalmente retomadas em muitas escolas.
— Uma pesquisa realizada em setembro do ano passado apontou que 85% dos municípios estavam fazendo distribuição de merenda, que não entra nos 25%, por exemplo — afirmou a consultora.
Segundo Marisa, a mesma pesquisa mostrou que 307 municípios não conseguiram cumprir a exigência legal, número que pode chegar a 10% dos cerca de 5 mil municípios brasileiros.
A defesa da PEC também foi feita pelo secretário-executivo da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), Gilberto Perri, que acredita ser maior o número de municípios que deixaram de investir todos os recursos exigíveis.
— Os prefeitos defendem a educação, mas se depararam com uma situação complicada diante da pandemia, e a dificuldade de aplicação dos recursos em 2021 é maior do que em 2020 — sinalizou Perri, ao completar que os prefeitos acabam tendo de comprar rápido, o que muitas vezes pode levar a pagar mais caro e a adquirir algo com menos qualidade.
A maior parte dos especialistas ouvidos na sessão temática foi enfática em considerar a PEC13/2021 um retrocesso aos avanços destinados à educação nos últimos anos — em especial após a Emenda Constitucional 108, de 2020, relacionada ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), aprovada pelos parlamentares há menos de um ano.
— Quando voltamos a conversar sobre uma possibilidade de não cumprimento dos investimentos mínimos em educação, acende um alerta. Pode começar com uma medida excepcional, em um contexto também excepcional, e não se encerrar aí — expôs o presidente do Conselho de Secretários de Educação (Consed), Vitor de Angelo.
Para ele, quando se fala em anistia para 2020, não há motivos para não acontecer o mesmo com relação a 2021, o que poderá “colocar em xeque o processo de lutas e conquistas para aumento de investimentos em educação”. Angelo defende ainda que gastos com alimentação e atendimento psicológico possam ser considerados para fins de investimento.
— Não há motivos para aprovar a PEC 13 da forma como foi apresentada. A própria sociedade já rejeitou essa tentativa do governo de mexer nos recursos vinculados à educação e à saúde. Hoje, quase 10 milhões de alunos vivem em escolas com problemas sérios de infraestrutura — pontuou o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Manoel Gomes Araújo Filho.
Presidente da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (UNCME), Manoel Humberto Gonzaga Lima considera que “o ajustamento de conduta é algo fundamental, mas o dispositivo constitucional deve ser cumprido”. A posição foi ratificada pela coordenadora do Fórum Nacional de Educação (FNE), Maria Ester Galvão de Carvalho, que expôs o desejo de que todos os municípios do país pudessem não considerar o mínimo e aplicassem percentual superior na educação.
O presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação da Região Nordeste (Undime), Aléssio Costa Lima, afirmou que não há como aproveitar-se de uma forma emergencial para flexibilizar a garantia constitucional.
— Isso significa que admitimos que podemos dispensar recursos para a educação. O cenário se mostra desafiador. Outras despesas se fizeram necessárias, como a inclusão digital, sobretudo de crianças pobres. O que se percebe é uma falta de organização e que o dever de casa não foi feito por alguns gestores. Podemos colocar em risco importantes conquistas para o povo brasileiro.
A PEC também foi amplamente criticada pela procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Élida Grazianne Pinto.
— Não completamos um ano do Fundeb e já querem redesenhar no sentido de impor retrocessos. É necessário aprovar uma PEC para atender um pequeno grupo? É possível fazer aprimoramentos a partir de uma lei ordinária.
Para a procuradora, há muito a ser feito com o “dinheiro sobrando”. Ela apontou que isso não aconteceria se fossem cumpridas as metas estratégicas do Plano Nacional de Educação (PNE), atualmente em um estágio de 85% não efetivadas, segundo Élida.
— Se a gente quer fazer o enfrentamento, que alteremos as legislações tópicas, e não a Constituição. É preciso integrar o ordenamento jurídico para proteger os gestores de boa-fé e os estudantes.
O coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), José Marcelino, lembrou que a vinculação protege os recursos da educação e que quando há uma queda de arrecadação, o município vai aplicar valor proporcional equivalente.
— Em 2020 não houve uma queda tão significativa. O Fundeb fechou com saldo negativo de 2%, e para 85% dos municípios, o Fundeb representa 90% dos recursos. Não dá para aceitar o argumento de que não houve como gastar em virtude da pandemia.
Líder de Relações Governamentais do Todos pela Educação, Lucas Fernandes encerrou a sessão temática destacando que alguns municípios fizeram o que era para ser feito, mas é preciso averiguar negligência no uso dos recursos. Ele enfatizou ainda que há uma possibilidade de "regressão de décadas em anos escolares", porque muitos não tiveram acesso à educação em 2020, quando o risco de abandono escolar foi 3,5 vezes maior.
Secretário-adjunto de Educação Básica do Ministério da Educação, Helber Ricardo Vieira afirmou que ainda existe um espaço muito grande para investimentos em educação. Ele lembrou que 63% dos recursos são provenientes do Fundeb, e 29% de investimentos próprios dos estados e municípios.
Para Vieira, a educação vive agora um espaço nesse contexto de recuperação da aprendizagem, com grande necessidade quanto a diagnóstico, educação continuada e conectividade das escolas. No Brasil há hoje 108 mil escolas municipais e 30 mil estaduais.
Ao representar os alunos, a presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Rozana Barroso, salientou que o menor número de inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) — principal porta de entrada das instituições públicas superiores de ensino no país — dá o tom da realidade da educação nacional.
— Não há Brasil que avance quando a educação retrocede. Como vamos resolver os problemas sem formar meninos e meninas que podem contribuir? Precisamos de uma operação resgate, para que as escolas possam ter estrutura. Sabemos que muitos estudantes não estão mais nas escolas, mas trabalhando para poder comer. Esse cenário de desigualdade os prejudica.
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