O senador Lasier Martins (Podemos-RS) vai pedir ao ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento de uma ação sobre a pesca de arrasto no Rio Grande do Sul. O anúncio foi feito nesta sexta-feira (22), durante audiência pública da Comissão de Meio Ambiente (CMA). A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6218/2019, movida pelo Partido Liberal, questiona uma lei estadual (Lei 15.223, de 2018) que restringe essa técnica de captura no litoral gaúcho.
A pesca de arrasto usa redes de malha fina puxadas por barcos para “raspar” o fundo do mar em busca de camarões e outras espécies. Em dezembro de 2020, Nunes Marques concedeu uma liminar para suspender a aplicação da lei e liberar a exploração das frotas de arrasto até que a ADI seja definitivamente julgada pelo STF.
— Decidimos pedir imediatamente uma reunião com o ministro Nunes Marques, que está com a ação. Se conseguirmos a audiência já para a próxima semana, vamos pedir que coloque em pauta urgentemente. Para que o STF julgue de uma vez por todas este tema — disse.
A audiência pública da CMA contou com a participação de pesquisadores e pescadores dos estados de Rio Grande do Sul e Santa Catarina. O representante da ONG Oceana Brasil, Ademilson Zamboni, defendeu a Lei 15.223, de 2018. O texto aprovado pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul proíbe a pesca de arrasto antes de 12 milhas náuticas contadas a partir da costa. Na prática, a medida empurra para longe do litoral gaúcho os barcos de Santa Catarina que exploram a pesca do camarão.
Ademilson Zamboni chamou a atenção para o descarte de espécies provocado pela pesca de arrasto. Segundo ele, a técnica responde por metade do refugo entre todas as modalidades de pesca realizadas no mundo.
— Nos últimos 65 anos, a pesca de arrasto descartou cerca de 400 milhões de toneladas de espécies que não são alvo da pescaria em todo o mundo. Entre 2000 e 2018, os descartes na frota de arrasto que desembarca em Santa Catarina chegaram a 218 mil toneladas — destacou.
O representante do Sindicato dos Armadores de Pesca do Rio Grande do Sul, Alexandre Carinha Novo, também defendeu a lei estadual. Ele destacou que 75% das embarcações que exploram o litoral gaúcho são de Santa Catarina, mas disse que a restrição da pesca antes das 12 milhas náuticas não se trata de “separatismo”. Para ele, a medida pretende apenas preservar a pesca de emalhe — técnica que usa redes passivas para reter cardumes em pontos de passagem.
— Essa área é utilizada pelos pescadores de emalhe. O conflito com os “arrasteiros” era cotidiano. Nossa luta é pela sustentabilidade, pela continuidade da atividade pesqueira. Não é nenhum separatismo. Não estamos alijando nenhuma arte de pesca — disse.
O presidente da Federação das Colônias de Pescadores e Aquicultores do Rio Grande do Sul, Gilmar da Silva Coelho, testemunhou as dificuldades enfrentadas pelos pescadores gaúchos diante da pesca de arrasto.
— Quando passa um barco de arrasto na nossa costa, ele leva tudo que tem por diante. Não fica mais nada. O que sobrou já não tem mais condição. Os peixes estão em más condições ou já morreram. O nosso litoral é onde o peixe se alimenta, é o grande berçário. A pesca de arrasto não deixa nossos peixes atingirem a maturidade. Resultado: eles não chegam a crescer ou a se reproduzir e entram em risco de extinção — afirma.
De acordo com o professor e pesquisador em Oceanografia Biológica Luís Gustavo Cardoso, da Universidade Federal de Rio Grande, a pesca de arrasto ameaça de extinção 22 espécies do litoral gaúcho. Ele reconhece que a coleta do camarão é a principal prejudicada com a medida protetiva: o setor responde por 70% das capturas feitas na faixa de 12 milhas náuticas.
O pesquisador pondera, no entanto, que, apenas em 2016, 924,8 toneladas de pequenos peixes e outras espécies foram descartadas pelos “arrasteiros” de camarão. Segundo ele, caso não houvessem sido capturados e mortos, esses peixes poderiam aumentar a produtividade do setor.
— Se apenas as 1.899 toneladas de quatro espécies de peixes (corvina, pescada, castanha e pescadinha) não tivessem sido capturadas pelo arrasto em 2016 dentro das 12 milhas, os peixes teriam crescido e poderiam resultar em 10.174 toneladas, que poderiam desembarcadas em 2018. Um potencial de rendimento de R$ 38,5 milhões — argumenta.
A audiência pública contou com a presença de um pescador de camarão de Santa Catarina. Para Joab Hamilton da Costa, coordenador Técnico da Associação dos Pescadores do Gravatá, a Lei 15.223, de 2018, põe em risco a subsistência de 25 mil pessoas que dependem da pesca de arrasto no litoral gaúcho. Ele disse que o setor está disposto a modernizar equipamentos e restringir a temporada de captura.
— Não adianta olhar para um lado só. Somos um litoral dos brasileiros. A discussão tem que ser entre os envolvidos. Não é só fazer a lei e acabou. Eu dediquei 19 anos da minha vida pescando camarão no Rio Grande do Sul. O que eu vou fazer da minha vida? Tenho minha família para sustentar. A gente vive do camarão. Esse camarão vem da Argentina para o Brasil e depois volta para a Argentina. Se não capturar entre setembro e fevereiro, ele volta dobrado para a Argentina. Por que não fazer um defeso de seis meses? De setembro a fevereiro, deixa a gente trabalhar. De fevereiro a setembro, deixa proibido — sugeriu.
O secretário de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Jorge Seif Junior, defende a “evolução” da pesca de arrasto. Ele disse que o governo brasileiro investiu R$ 5 milhões no projeto de Manejo Sustentável da Fauna Acompanhante na Pesca de Arrasto na América Latina e Caribe (Rebyc), conduzido pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO).
— Tudo faz parte natural da evolução de qualquer setor. Se olharmos para o passado, todas as pescarias com certeza degradavam e destruíam muito mais. Que as partes social e econômica e ambiental sejam observadas, mas que não se cesse nenhuma das atividades. O projeto Rebyc visa a continuidade da pesca de arrasto, mas modernizando esta arte e não deixando que degrade como no passado — disse.
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