A rodada de concessões aeroportuárias planejada pelo governo federal que inclui o aeroporto de Santos Dumont, no Rio de Janeiro, foi motivo de divergência entre os participantes da sessão de debates temáticos sobre o assunto promovida pelo Senado nesta sexta-feira (22). Enquanto representantes do governo e das companhias aéreas defenderam o edital, parlamentares e gestores da cidade e do estado do Rio de Janeiro pediram ajustes nas regras da concessão. O senador Carlos Portinho (PL-RJ) está entre os que defendem a revisão do edital. Ele argumenta que, da forma como está, com a previsão de ampliação da oferta de voos no Santos Dumont, isso poderá acarretar a competição desse aeroporto com o Aeroporto Internacional Tom Jobim, mais conhecido como Galeão.
Portinho foi um dos senadores que solicitaram esse debate. Ele declarou que é favorável à concessão, mas fez um apelo para que o governo federal revise o edital. Para o senador, a proposta abre brechas, numa espécie de “burla”, em relação a impactos estruturais, ambientais e de segurança para ampliar a movimentação do terminal Santos Dumont — o que pode ocorrer, segundo ele, em detrimento do Aeroporto do Galeão.
— Considerando que há uma vocação distinta entre os aeroportos do Galeão e o de Santos Dumont, por que o edital não traz a mesma limitação que houve no caso do Aeroporto de Pampulha, em Minas Gerais? Isso poderia ser feito justamente para que não haja uma concorrência predatória entre aeroportos na mesma cidade, na medida em que, no Aeroporto de Santos Dumont, inclusive, está prevista a possibilidade de voos até mesmo internacionais, além dos voos domésticos que vêm sendo transferidos, com maior volume, com maior frequência, já desde o ano de 2020 — argumentou o senador.
Carlos Portinho apresentou como sugestão aos representantes do governo que, para evitar prejuízos logísticos ao aeroporto do Galeão, o edital traga uma limitação: que somente permita voos internacionais no Santos Dumont quando os dois terminais alcançarem de 30 milhões de passageiros por ano
A expectativa é que o valor total do investimento no bloco de concessões — que também inclui Jacarepaguá (RJ), Uberlândia (MG), Uberaba (MG) e Montes Claros (MG) — alcance cerca de R$ 2,5 bilhões ao longo de um contrato de 30 anos. Para Carlos, o fato de o edital trazer outros terminais faz com que isso seja uma operação de risco, que não será atrativa para o potencial concessionário.
— Eu entendo a questão do subsídio cruzado. Mas o Santos Dumont, pela sua capacidade histórica de passageiros, não é Congonhas. Ele não vai carregar três aeroportos de Minas Gerais. Ele não vai ter conectividade com os aeroportos que ele vai levar de Minas Gerais. E pior: o que me parece é que, ao colocar esses três aeroportos de Minas Gerais, a gente está limitando os players dessa concorrência — criticou o senador.
O secretário Nacional de Aviação Civil no Ministério da Infraestrutura, Ronei Saggioro Glanzmann, afirmou que a política de subsídio cruzado (quando outros aeroportos de maior movimento subsidiam terminais de menor porte) tem funcionado bem no país, o que viabilizaria a atratividade para a concorrência.
— A política pública de subsídio cruzado na aviação é salutar ao setor de aviação. E a modelagem de concessão que nós temos hoje no Brasil é vista como de altíssimo padrão do ponto de vista de política pública, exatamente porque coloca essa questão do subsídio cruzado. Então, é natural que isso aconteça.
O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, reforçou as críticas ao edital. Ele avaliou que, caso as regras do edital sejam mantidas, a concessão trará “enormes malefícios” à capital fluminense.
— Eu não tenho dúvida nenhuma de que o que se busca neste momento é fazer caixa para superar as dificuldades da má gestão econômica do governo federal, para ver se resolve o problema do próximo ano. E isso está sendo feito à custa de um elemento fundamental para a infraestrutura da cidade e do estado do Rio de Janeiro: um aeroporto da importância do Galeão. O que eu venho dizer aqui é que haverá uma mobilização política muito forte, e que a cidade do Rio de Janeiro e o estado do Rio de Janeiro exigem respeito na forma como o governo federal vem tratando essa questão.
O senador Antonio Anastasia (PSD-MG), que solicitou o debate junto com Carlos Portinho, apresentou durante a reunião detalhes do processo de concessão do Aeroporto da Pampulha, como exemplo do que poderá ser feito no caso do Santos Dumont. Ele disse o Aeroporto de Pampulha estava fechado na época, mas, como havia uma demanda interna, a concessão foi realizada com sucesso porque, segundo Anastasia, o bloco de concessão trazia apenas aquele terminal. Ele acrescentou que atualmente a Pampulha atua para voos executivos, enquanto o Aeroporto de Confins mantém sua função como "hub". Para Anastasia, esse é um exemplo que poderia ser seguido pelo edital em discussão.
— De fato, se nós não tivermos muito cuidado com esse planejamento para preservar a conectividade dos nossos grandes aeroportos internos nacionais, o que vai acontecer, no curto prazo, é que o Brasil só terá um aeroporto internacional, que será o de Guarulhos. Nós vamos ter, todo mundo, de ir a São Paulo para fazer embarques internacionais por não haver conectividade. E as pessoas não vão querer descer em um aeroporto, pegar um táxi ou um ônibus e ir para outro aeroporto. E é uma pena ver o Galeão, com a estrutura que tem, quase desativado, como eu vi; uma situação que de fato entristece a nós todos.
Na avaliação do secretário estadual do Turismo do Rio de Janeiro, Gustavo Tutuca, a proposta de concorrência foi imposta sem uma construção conjunta com as esferas estaduais e municipais do Rio de Janeiro. Além do impacto nos voos internacionais e nas conexões domésticas, ele acredita que haverá reflexo no transporte de cargas.
— O transporte de cargas feito no aeroporto do Galeão hoje é um transporte feito, na sua grande maioria, em torno de 90%, na barriga dos aviões, e não por voos exclusivamente cargueiros que vão para o aeroporto do Galeão. Então, também com o esvaziamento dos voos internacionais, nós teremos uma grande diminuição do transporte de cargas para o aeroporto do estado do Rio de Janeiro, o que vai ser um grande gargalo para o nosso desenvolvimento econômico.
Por sua vez, o subsecretário de Planejamento da Infraestrutura Nacional no Ministério da Economia, Fabiano Mezadre, defendeu o edital. Ele afirmou que isso não deveria ser motivo de preocupação. Segundo Mezadre, o Santos Dumont e o Galeão são dois aeroportos com um volume grande de passageiros e com vocações diferenciadas.
— Os dois terminais têm operações muito distintas, um na ponte aérea (o Santos Dumont), muito ligado ao aeroporto de Congonhas, que também está deslocado de um outro aeroporto semelhante ao Galeão, o Aeroporto de Guarulhos. Então eles têm vocações bem distintas. Não vemos muito problema quanto a eles poderem concorrer entre si; eles têm nichos diferentes.
O diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Tiago Sousa Pereira, argumentou que o edital prioriza investimentos em infraestrutura, como ampliação de pista e faixas, entre outros, para garantir mais segurança a empresas e passageiros.
Também defenderam o edital os representantes das empresas aéreas. Segundo eles, o aporte resultante da concessão vai possibilitar a ampliação de investimentos e a oferta de mais voos domésticos, sem comprometer o que já é oferecido no Galeão.
— A gente defende que a operação internacional deve ficar limitada a Galeão e Guarulhos, que a gente não deveria ter uma operação internacional nos aeroportos Santos Dumont e Congonhas. No entanto, quando a gente fala de operação doméstica, a gente entende que já existe uma limitação natural pelo próprio comprimento de pista, pelas aeronaves, pelo alcance das aeronaves que a gente consegue colocar nesses aeroportos. Então, naturalmente, eu não consigo operar todo um leque de rotas que a gente consegue operar no Galeão no aeroporto de Santos Dumont — disse a coordenadora de Negócios Aeroportuários da Companhia Aérea LATAM Brasil, Priscilla Yugue.
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