A implantação das redes móveis de quinta geração (5G) deve revolucionar a comunicação entre pessoas e máquinas num futuro próximo. Mas o avanço tecnológico, previsto incialmente para as grandes cidades, não pode negligenciar o acesso dos usuários que vivem em áreas remotas do Brasil. A avaliação é de especialistas e senadores que participaram nesta quinta-feira (28) de uma audiência pública promovida pela Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT).
O leilão do 5G está marcado para sexta-feira da próxima semana (5). Na última quarta-feira (28), 15 empresas apresentaram à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) propostas para a exploração do espectro. Além das maiores companhias do setor, operadoras de médio porte demonstraram interesse em participar da disputa.
O senador Jean Paul Prates (PT-RN) deve apresentar até o final do ano um relatório sobre a implantação das redes 5G no Brasil. O tema foi definido pela CCT como a política pública do Poder Executivo fiscalizada neste ano pela comissão. O parlamentar reconhece a importância da nova tecnologia, mas destaca que o assunto ainda desperta críticas e enseja uma série perguntas ainda sem respostas.
— Vai ser importante saber como ficará o cidadão comum lá do interior. Quando ele terá acesso a essa tecnologia? Como ele ficará servido das tecnologias que já estão ofertadas, mas com baixa qualidade? Quando e como essas tecnologias vão proporcionar maior bem-estar social e melhor qualidade de vida a esses cidadãos? — questiona.
O senador Paulo Rocha (PT-PA) criticou o modelo pelo qual o governo braseiro costuma transferis serviços públicos essenciais para a iniciativa privada. Para ele, as empresas particulares que exploram áreas como saneamento, energia e telecomunicações só querem ficar com o “filé” — áreas mais lucrativas e de retorno financeiro mais rápido.
— Volta de novo a volúpia de governos nesse processo de discussão de privatização, especialmente em servidos públicos tão importantes. Estou aqui desde 1991 e participei de todo esse debate, principalmente na privatização das telecomunicações. A gente fazia menção ao "filé" e ao "osso". As empresas vão exatamente em busca do filé. E o osso fica para quem? O serviço privado não deu conta de resolver os problemas dos rincões do país.
Das 15 empresas que apresentaram propostas às Anatel, pelo menos 10 são consideradas de pequeno ou médio porte. O segmento é representado pela Associação NEO, que reúne 180 prestadoras independentes de banda larga, TV por assinatura e telefonia fixa e móvel.
Para Alex Jucius, diretor da entidade, o leilão de radiofrequências “será o maior do mundo”. A disputa envolve as faixas de 700MHz, 2,3GHz, 3,5GHz e 26GHz por um prazo de 20 anos prorrogável por mais 10.
Ele destaca que o edital prevê o cumprimento de algumas exigências para as empresas vencedoras do leilão. Os compromissos geram uma expectativa de investimentos de até R$ 47 bilhões. Mais de 500 municípios com até 600 habitantes e cerca de 2 mil municípios sem cobertura plena passariam a ser atendidos pelo menos com redes 4G. Além disso, a internet chegaria a 48 mil quilômetros de rodovias federais. Para Jucius, a execução desses compromissos vai acelerar a inclusão digital.
— A inclusão digital não necessariamente vai ser feita com o 5G. Mas pode ser feita através do 5G, com os investimentos decorrentes e os compromissos que estão sendo colocados. A implantação da tecnologia 4G e LTE vai ser levada para lugares que hoje não estão cobertos. O 5G vai talvez promover a maior inclusão digital que já houve neste país com relação à mobilidade — avalia.
A conselheira Cristiane Sanches, da Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint), reconhece a existência de gaps ou lacunas na prestação do serviço de internet em áreas remotas do Brasil. Mas disse acreditar que o edital lançado pela Anatel permite uma maior “flexibilidade” entre interior e capitais.
— O edital permite que a gente tenha acesso a redes neutras. O futuro do espectro é o compartilhamento. Se não tivermos esse compartilhamento e um acesso diferenciado à rede móvel, nada vai funcionar e o interior vai restar prejudicado. Ainda existem gaps em relação a localidades remotas e afastadas, e não é o 5G nesse momento inicial da operação vai resolver isso — reconhece.
O diretor do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), Gustavo Correa, tem o mesmo entendimento. Segundo ele, em um primeiro momento, a rede 5G deve se concentrar em grandes centros urbanos.
— O Fórum Econômico Mundial reconhece que o 5G tem uma curva de adoção que começa pelas grandes cidades, por áreas mais urbanas. À medida que o tempo passa, a gente vai conseguindo ter essa cobertura fora dos grandes centros e a até mesmo em áreas rurais e remotas. O investimento nas redes 5G para que elas cheguem a áreas menos densamente povoadas é maior, o que leva a um prazo de adoção maior — explica.
A audiência pública na CCT contou com a presença de entidades críticas ao edital da Anatel. Uma delas é a Coalizão Direitos na Rede, que reúne 48 associações pelo direito à comunicação e à inclusão digital. Segundo Flávia Lefevre, representante da Coalizão, um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta uma série de falhas na elaboração do documento.
— A pergunta é: 5G para quem? As entidades reconhecem nessa tecnologia grandes oportunidades de alavancar diversos setores da economia e estimular o desenvolvimento social. Mas o Brasil se encontra hoje num fosso digital profundo e injustificável — afirmou.
A Coalizão apresentou uma representação no Ministério Público Federal contra a realização do leilão. Segundo ela, o edital traz “erros grosseiros”. Um deles seria considerar como economicamente inviáveis para o 5G uma série de municípios grandes, populosos e, em alguns casos, de alto poder aquisitivo.
— São erros grosseiros na precificação das faixas de frequências. Apenas 60 municípios foram considerados economicamente viáveis. São considerados inviáveis Brasília, Salvador, Guarulhos (SP), Campinas (SP), Manaus, São Bernardo do Campo (SP) e Curitiba. São cidades claramente viáveis, que já contam com estrutura de telecomunicações. Essa analise certamente impactou para baixo o valor da licitação, e isso representa um prejuízo ao erário público e à definição das contrapartidas colocadas pela Anatel, que poderiam ser mais audaciosas — afirmou.
Uma das entidades que compõem a Coalizão Direitos na Rede é o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), representado no debate por Diogo Moyses. Para ele, parcela importante dos consumidores brasileiros pode ser prejudicada pelo modelo de leilão definido pela Anatel.
— O consumidor, especialmente aquele mais vulnerável e que mais precisa de políticas públicas, está sendo desconsiderado nesse processo. Evidente que o 5G traz uma série de inovações. Mas a situação em relação à universalização do acesso à internet ainda é dramática. Aproximadamente 40% da população tem como acesso exclusivo a telefonia móvel. É um modelo comercial baseado em franquias, no qual boa parte dos usuários passa maior parte do mês sem qualquer acesso à internet. O foco deve ser uma melhoria radical da infraestrutura do 4G — sugere.
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