Estudo apresentado pelo Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate) na Comissão de Direitos Humanos (CDH), nesta quarta-feira (8), aponta que a reforma administrativa (PEC 32/2020), em tramitação na Câmara dos Deputados, é uma iniciativa para reforçar a "financeirização" e privatização das finanças públicas federais.
O grupo é contrário à aprovação da proposta e, desde 2016, vem realizando estudos sobre as reformas apresentadas pelo atual governo, reunidos no livro “Rumo ao Estado Necessário: críticas à proposta de governo para a reforma administrativa e alternativas para um Brasil republicano, democrático e desenvolvido”.
Durante a reunião, os participantes discorreram sobre o capítulo “Financeirização e Privatização das Finanças Públicas no Brasil: arranjo institucional e implicações econômicas e sociais”. De acordo com o presidente da Fonacate, Rudinei Marques, as finanças públicas estão sendo “capturadas por interesses privados”, de forma contrária ao desenvolvimento nacional e ao atendimento da população.
“Resumidamente, sabe-se que desde os anos 1990 está em curso no Brasil um processo de financeirização e privatização das finanças públicas federais, que se manifesta por meio da liberalização financeira, da consolidação de regras fiscais disfuncionais à gestão da demanda agregada e do pleno emprego, da desindustrialização e do impulso à reprodução fictícia da riqueza expressa nas altas lucratividades das atividades de intermediação financeira e na centralidade dos ganhos de tesouraria para as atividades produtivas. As implicações disso são perniciosas para a dinâmica de crescimento econômico, bem como para as condições de reprodução social adequada e digna da população”, diz um trecho do relatório.
Coordenador da Comissão de Estudos da Fonacate, José Celso Cardoso Júnior avaliou que a reforma administrativa se destina menos a promover qualquer tipo de melhoria das formas de funcionamento e organização do Estado brasileiro e muito mais a viabilizar recursos para o rentismo e para o setor privado. Para ele, esses setores tendem a se apropriar das áreas rentáveis das políticas públicas, desmistificando a justificativa do governo de que a medida atuaria no sentido de ajudar a sanar a quebra estrutural das finanças públicas.
— Esses estudos buscam justamente desmistificar esse discurso, essa narrativa, e apontar para os verdadeiros problemas relativos às finanças brasileiras. Um dos problemas revelado pelos estudos é esse: o da financeirização das finanças públicas, por meio dessa forma de apropriação privada das finanças públicas que deveriam servir para o conjunto das políticas e da população. Na verdade, recentemente, [essa iniciativa] vem servindo a interesses menores e privilegiados no seio do Estado brasileiro.
O senador Paulo Paim (PT-RS), que presidiu a reunião, concordou com a exposição do Fórum.
— Quem está ganhando nesse momento é a especulação financeira. Não é o mercado produtivo, não é o trabalhador, não é o social, não é a educação, não é a distribuição de renda, não é a Previdência. Mas que sirva de alerta o que vocês hoje demonstraram aqui.
Na opinião do professor, Miguel Bruno, que também colaborou com o relatório, a financeirização se apresenta com muito maior peso na degradação das políticas públicas, nas condições de vida, no rebaixamento das taxas de crescimento econômico. Isso porque, de acordo com ele, as taxas de juros vigentes no país são exorbitantes e completamente fora dos padrões internacionais. Além disso, ele aponta que a atual política tem favorecido apenas dois setores: o mercado financeiro e o de commodities.
— O crescimento do capital rentista no Brasil é exorbitante. Isso significa um poder político econômico do setor bancário financeiro e seu principal sócio atualmente, que é o setor do agronegócio. Os dois principais setores ganhadores, sem nenhum preconceito contra esses dois setores. Mas não se pode desenvolver o país quando apenas um ou dois setores ganham e os demais perdem. E quando se pensa em qualquer reforma isso tem que está em pauta.
Outro mecanismo característico do processo de financeirização apontado pela professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Lobato Gentil, é o endividamento das famílias pobres e de classe média no Brasil. De acordo com ela, a combinação dessa estratégia de política macro econômica ultra neoliberal “retrógrada” com um mercado de trabalho desregulamentado e precarizado, juntamente com o desmantelamento do estado de bem estar social, foi articulada com a expansão do crédito de consumo como ferramenta compensatória.
No entanto, ela avaliou que o endividamento do trabalhador de baixa renda e de classe média não vai funcionar como mecanismo de alívio e de adiamento dos efeitos da crise sobre as famílias.
— Foi a expropriação dos direitos sociais e a degradação dos serviços públicos que fizeram com que as famílias fosses forçadas a recorrer a planos de saúde, a fundos de previdência abertos, a educação privada, seguros de toda espécie, para buscar no mercado a preços elevadíssimos uma proteção que antes era assegurada de forma gratuita pelo Estado.
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