Audiência pública nesta terça-feira (16) na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) expôs divergências sobre a revisão da Norma Regulamentadora 36 (NR-36), do governo federal, que trata da segurança e saúde no trabalho em empresas de abate e processamento de carnes e derivados.
Representantes de frigoríficos e do governo entendem que a revisão tem o objetivo de "simplificar, harmonizar e desburocratizar” o setor. Já representantes de trabalhadores, procuradores e auditores do trabalho apontam que as mudanças podem trazer retrocessos e aumentar o número de acidentes e de trabalhadores doentes. Eles também pedem a reabertura da consulta pública sobre o tema, encerrada no último dia 8.
A norma estabelece os requisitos mínimos para avaliação, controle e monitoramento dos riscos existentes nas atividades desenvolvidas na indústria de abate e processamento de carnes e derivados destinados ao consumo humano, como forma de garantir permanentemente a segurança, a saúde e a qualidade de vida no trabalho. Uma das garantias trazidas pela norma é o direito a pausas periódicas durante a jornada de trabalho, o que reduziria acidentes e doenças entre os trabalhadores do setor.
Para a senadora Zenaide Maia (Pros-RN), a revisão das normas segue um processo de retirada de direitos dos trabalhadores iniciada com a reforma trabalhista de 2017.
— Depois de uma reforma trabalhista, querem tirar esses direitos dos trabalhadores em relação à prevenção de doenças em frigoríficos. Não estamos contra frigoríficos, mas esses trabalhadores não têm direito a nada e agora querem modificar a norma deixando os trabalhadores mais vulneráveis — disse a senadora.
O senador Paulo Paim (PT-RS) afirmou que as divergências demonstram que o tema merece mais debates.
— Toda lei pode ser melhorada. Não piorada. Pelo que percebi, todos querem dialogar — avaliou Paim.
De acordo com o subsecretário de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência, Romulo Machado e Silva, a revisão buscar ajustar as regras às mudanças no mundo do trabalho e harmonizar a NR-36 a normas como a NR-1, a NR-17 e outras normas sobre saúde e segurança ocupacional atualizadas pelo governo nos últimos dois anos. O novo texto da NR-1, que passa a valer em janeiro de 2022, prevê que empresas poderão criar por conta própria um "programa de gerenciamento de riscos".
— A ciência evoluiu, o mundo do trabalho evoluiu. A empresa vai ter que avaliar todos os riscos operacionais da empresa. O programa de gestão de riscos vai ser esse guarda-chuva. Quem fala em precarizar, em desfazer a norma, basta ver o texto que foi colocado em consulta pública — disse o representante do governo, que ressaltou que todos os lados serão ouvidos na revisão.
Diretor de relações institucionais da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Marcelo Osório afirma que o setor, que gera cerca de 4 milhões de empregos diretos e indiretos, tem feito sua parte para prevenir acidentes e seguirá avançando na proteção aos trabalhadores, como a revisão da norma. De acordo com ele, o setor teve uma redução no índice de acidentes nos últimos dez anos.
— Harmonização, simplificação e modernização. A ABPA defende isso. Podemos melhorar, mas o segmento da proteína animal está fazendo a sua parte — afirmou.
Advogado da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Alexandre Perlatto afirmou que a revisão não trará retrocessos e ressaltou que as empresas precisam se adaptar aos novos tempos:
— A gente precisa evitar engessar a coisa, a inovação está aí. A indústria 4.0 está batendo à nossa porta. Não vejo problema em se revisar a NR-36. Tenho certeza que não vai haver retrocesso. As empresas hoje não tratam com desleixo a questão de saúde e segurança do trabalho — argumentou.
Na mesma linha, Rafael Ernesto Kieckbusch, especialista em Políticas e Indústria da Confederação Nacional da Indústria (CNI), afirmou que esse novo modelo proposto nas NRs tem como objetivo reduzir a insegurança jurídica.
— O objetivo é reduzir custos relacionados à insegurança jurídica. Se temos um mecanismo que trava, por que o empresário vai investir? — ponderou.
Representantes dos trabalhadores, auditores e procuradores receiam que uma nova redação da NR-36 acabe com as pausas e exponha as pessoas a mais riscos. Geni Dalla Rosa, da Confederação Brasileira Democrática dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação (Contac), pediu a reabertura do prazo da consulta e apontou que a norma, resultado de 15 anos de lutas, ajudou a reduzir adoecimentos e acidentes.
— A NR surgiu de um grande número de adoecimentos. Ela é importante, principalmente a questão das pausas. A gente lamenta discutir isso. As doenças foram muito reduzidas com as pausas — apontou.
Silvana Moreira Battaglioti, da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Alimentação e Afins (CNTA), afirmou que trabalhadores não estão “engessados” contra mudanças, mas só aceitam alterações para melhorar a segurança no ambiente de trabalho. Ela afirmou que mesmo a NR-36 não é plenamente cumprida por frigoríficos.
— Vamos continuar debatendo para chegarmos a um consenso que efetivamente melhore o ambiente de trabalho — disse.
Pesquisador e membro da comissão de criação da NR-36, Roberto Ruiz afirmou que, na prática, a revisão da norma abrirá caminho para uma autorregulação no setor na questão da saúde e segurança do trabalho. Segundo ele, a tragédia de Brumadinho em 2019 demonstrou que a autorregulação e a autodeclaração nesse campo expõe trabalhadores a riscos e pode resultar em tragédia, não de lama, mas de tendinites, amputações e acidentes.
— Toda a regulamentação ambiental de Brumadinho era praticamente autodeclaração. Tirar as pausas é um desserviço à nação brasileira — alertou.
A posição é compartilhada por Sandro Sardá, procurador do Ministério Público do Trabalho. Ele afirmou que frigoríficos registram cerca de 90 acidentes diários.
— São 80 a 90 movimentos por minuto nos frigoríficos. São raríssimas as atividades econômicas que concentram maiores riscos que os frigoríficos — apontou.
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