A pandemia de covid-19 piorou o acesso à formação educacional de segmentos historicamente mais marginalizados da sociedade brasileira. Essa foi a conclusão da audiência da Subcomissão de Acompanhamento da Pandemia na Comissão de Educação (CE), realizada nesta terça-feira (16). Participaram representantes do movimento negro, de camponeses e de indígenas.
Diretor do Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena (FNEEI), Gersem Baniwa disse que o sistema educacional voltado aos povos tradicionais vive um momento de crise e descaso por parte do poder público. O quadro é marcado por ausência de infraestrutura, desemprego, fome e desnutrição crônica de jovens e crianças em idade escolar.
— Há muito problema de alimentação nas aldeias. Para os alunos, a alimentação escolar é crucial. Mas aqui na Amazônia a merenda escolar é quase um sonho, porque não chega às escolas distantes. Em São Gabriel da Cachoeira (AM), por exemplo, nenhuma escola até o momento recebeu alimentação escolar no semestre, embora as atividades estejam ocorrendo de forma híbrida. As escolas estão funcionando, mas não têm comida. Um terço das escolas indígenas sequer tem prédio, ou seja, mais de 100 mil alunos no Brasil estudam debaixo de árvores ou em barrancos. Entre as que conseguem estudar em prédios, grande parte está destelhada. Quando chove, o que é comum por aqui, as atividades educacionais ficam seriamente prejudicadas — denunciou Baniwa.
O diretor ainda informa que milhares de professores da educação indígena, com contratos temporários, foram dispensados durante a pandemia. Com o desemprego professores enfrentam fome miséria, já que eles ainda não receberam o auxílio emergencial, porque eram considerados servidores públicos, ainda que com contratos suspensos.
O presidente da subcomissão, Flavio Arns (Podemos-PR), disse que a dispensa de professores durante a pandemia foi ilegal. Ele informou que a subcomissão cobrará providências da Procuradoria-Geral da República (PGR) buscando reparações contra esses atos.
Para Baniwa, a sociedade brasileira está desumanizada, porque também assiste à violência institucional contra os ianomâmis sem tomar providências concretas. Citando reportagem do programa Fantástico, da Rede Globo, veiculada no domingo (14), o diretor chamou a atenção para o quadro de miséria dos ianomâmis.
Para a vice-presidente da subcomissão, Zenaide Maia (Pros-RN), o governo boicota deliberadamente a formação educacional dos segmentos menos favorecidos da sociedade brasileira.
— O ano de 2020 foi aquele no qual o Ministério da Educação teve o menor orçamento e a menor execução orçamentária da década. Fechou 2020 com 10% menos em comparação a 2019. E o MEC executou em 2020 apenas 47% das despesas discricionárias para a educação básica. Isso foi uma decisão política. Decidiram que os mais carentes e vulneráveis deste país não devem ter educação, porque educação é poder, informação é poder. Até 20 de agosto de 2021, o MEC não usou um centavo sequer dos R$ 220 milhões do Programa de Educação Conectada, que busca levar internet às escolas. A ação orçamentária Apoio à Infraestrutura da Educação Básica tem sido desidratada, quando apenas 1,83% dos R$ 2,7 bilhões da dotação inicial foi pago. Em 2020 a pasta desembolsou só 10% do R$ 1,1 bilhão disponível — denunciou a senadora.
Para o coordenador da ONG Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), Frei David Santos, o racismo estrutural que marca a sociedade brasileira foi acentuado pelo descaso com a educação na pandemia. Ele se vale de dados oficiais que explicitam a profunda crise que atinge a área.
— Uma pesquisa feita em parceria do Banco Mundial com o Instituto Geledés durante a pandemia mostra que 70% das crianças brancas tiveram um desempenho pelo menos razoável em português, enquanto em relação às crianças negras só 51% tiveram desempenho razoável. Motivo: falta de equipamento para estudar online. Isso é gravíssimo! Já no ensino médio, 75,4% dos brancos estão matriculados, contra 64,3% dos negros. E desses, só 55% dos jovens negros conseguiram concluir o ensino médio. O Banco Mundial conclui, nos dados gerais, que em 2020 as crianças negras, indígenas e camponesas foram três vezes mais prejudicadas que as brancas, por falta de equipamentos e acesso precário ou inexistente à internet, impossibilitando ensino remoto — lamentou.
Frei David disse ainda que, segundo o Banco Mundial, até setembro de 2021, só 11% dos 5.570 municípios do Brasil fizeram ensino a distância para compensar e não deixar a pandemia prejudicar os estudos.
— Os demais municípios não fizeram nada.
A representante do Fórum Nacional de Educação do Campo (Fonec), Clarice Santos, também demonstrou preocupação com a educação durante a pandemia nas áreas rurais.
— Só 49% dos moradores em áreas rurais têm acesso à internet. E 43% das escolas rurais também não têm acesso à internet. Dados da pesquisa TIC Kids Online 2019 mostraram que 4,8 milhões de crianças e adolescentes em todo o Brasil não têm acesso à internet, acrescidos de outros milhões com acesso muito precário ou falta de equipamentos necessários, como computadores ou celulares — disse.
Coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Educação, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) se comprometeu a levar as demandas desses setores à Comissão Mista de Orçamento (CMO) para que em 2022 eles recebam repasses mais condizentes com a dura realidade que enfrentam. O objetivo de Izalci é fazer com que a CMO realize ao menos uma audiência para discutir a educação brasileira antes de votar o Orçamento para 2022 (PLN 19/2021). A iniciativa terá o apoio da subcomissão da CE, segundo Arns.
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