Como proteger os direitos das mulheres com deficiência — que sofrem três vezes mais violência que as não deficientes — foi o norte da audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) nesta terça-feira (7). Com o tema "Todas juntas: enfrentando a violência contra a mulher com deficiência", o debate reuniu senadoras e especialistas, todas enfáticas sobre a necessidade de aprimoramento legislativo e ações mais assertivas e céleres.
O debate é parte das atividades da campanha internacional 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra a Mulher, iniciativa patrocinada pelo Centro para Liderança Global das Mulheres. Dentro dessa perspectiva, na segunda-feira (6) a CDH debateu experiências consideradas como boas práticas no combate a? violência contra a mulher.
O requerimento para a audiência direcionada às mulheres com deficiência é de autoria das senadoras Mara Gabrilli (PSDB-SP) e Leila Barros (Cidadania-DF).
Procuradora da Mulher no Senado, Leila lembrou que mais de 7 mil casos de violência contra mulheres com deficiência foram registrados em 2019.
— Não há o que celebrar. Temos adiante um longo caminho para assegurar a inclusão e a equidade das pessoas com deficiência — afirmou Leila.
Mara destacou que mesmo com a Lei Maria da Penha, em vigor desde 2006, o Brasil ainda é responsável por 40% dos crimes de feminicídio na América Latina e que “é necessário adequarmos as intervenções às necessidades das mulheres nas situações de violência”.
A senadora enfatizou dificuldades para a garantia dos direitos das mulheres com deficiência, como a própria acessibilidade, no caso das que possuem restrições à locomoção.
— O autor dos abusos e maus tratos está sempre em situação de poder em relação à vítima — disse a parlamentar, ao completar que as mulheres temem as consequências da denúncia, pois muitas vezes o agressor é pessoa de seu convívio ou cuidador, o que leva à subnotificação dos casos.
— Muita gente ainda acredita que uma mulher com deficiência não pode ser mãe, trabalhar, namorar. Por isso, essa audiência pública reforça o nosso compromisso para que meninas e mulheres sejam valorizadas em suas reivindicações.
A senadora Nilda Gondim (MDB-PB) afirmou que feminicídio contra as mulheres com deficiência tem que ser punido com mais força.
— É justo e nobre lutar sempre em defesa dessas pessoas que precisam de nosso apoio, nosso olhar.
Registros de 2019 sobre violência contra pessoas com deficiência apontam que, a cada grupo de 10 mil pessoas, houve 56,9 notificações contra mulheres com deficiência intelectual, 17,8 com deficiência física, 5 com deficiência auditiva e 1,6 com deficiência visual. Os números são bem superiores aos de homens com deficiência, que apresentam índices, respectivamente, de 21,9; 7,3; 2,3; e 1,2.
Os números foram apresentados pela engenheira Pollyana Mercio da Silveira Sá, criadora do blog A Cura em Foco, que apontou forte correlação entre a violência e a deficiência.
Os registros mostram que o maior número de casos é relativo, em ordem, à violência doméstica (58%), comunitária, mista e, por fim, institucional.
— A maioria das pessoas que sofrem com a violência doméstica são as que possuem deficiência intelectual, seguidas das que possuem deficiência física, múltipla, visual e auditiva. As que possuem deficiência intelectual sofrem em maior proporção a violência física, psicológica e sexual.
Os abusos sexuais atingem principalmente a faixa de 10 a 19 anos. Além das crianças, idosas também lideram a lista de negligências e abandonos.
Coordenadora-geral de Articulação Nacional de Combate à Violência contra as Mulheres do Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), Renata Braz expôs que o Brasil tem hoje um problema sério de registro e informação de violência contra a mulher, com subnotificação e pulverização dos dados.
— Não temos uma estatística fidedigna do problema. Estamos trabalhando com diagnóstico que muito vai impactar esse banco de dados, para que tenhamos políticas públicas direcionadas às mulheres com deficiência.
A violência psicológica contra as mulheres, geralmente o start de todas as demais práticas abusivas, foi destacada nas apresentações da professora e analista ambiental Ewelin Canizares e da consultora em diversidade e inclusão da pessoa com deficiência Ana Rita de Paula.
— A violência psicológica é o começo de todas as violências, principalmente dentro de casa. A mulher com deficiência praticamente sofre e morre dentro de casa. O abuso psicológico se inicia de uma forma sutil e fica difícil a pessoa se libertar do abusador, porque muitas vezes o companheiro é o cuidador.
Para Ana Rita, a desvalorização está na base da violência.
— As mulheres, de modo geral, têm autoestima baixa, diante da nossa cultura estruturada em cima do patriarcado. (...) No caso das mulheres com deficiência, os dados ocorrem porque na maioria das vezes as mulheres são vistas como assexuadas ou como pessoas que precisam de um olhar caridoso.
O companheiro é visto com alguém que está fazendo um favor, e por isso a mulher se coloca em posição de gratidão, segundo Ana Rita.
— Diante disso, as mulheres têm de fazer um exercício diário para se reconstruírem. Precisamos experimentar a vivência para além da deficiência.
Representante da Frente Nacional das Mulheres com Deficiência, do Foro da Pessoa com Deficiência da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro (Emerj) e da comissão permanente de acessibilidade e inclusão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Deborah Prates afirmou que muitas políticas públicas não contemplam as mulheres com deficiência.
Ela condenou o capacitismo — que definiu como “uma espécie do gênero preconceito que a sociedade atribui às pessoas, reduzindo-as a suas próprias deficiências” — e cobrou sororidade de todas as mulheres, além de ações proativas na denúncia dos atos violentos.
— As políticas públicas não nos atingem. A maioria das mulheres vive em comunidades, em favelas, e não tem como sair de casa. Que nós tenhamos a visibilidade que nossa dignidade exige.
Representante do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Salvador e integrante da Frente Nacional das Mulheres com Deficiência, Rosana Lago também ratificou que é preciso estimular as mulheres a denunciar atos abusivos e de violência e melhorar o real diagnóstico, para direcionamento das políticas públicas.
Fundadora do Projeto Renascer e coautora do projeto Eu me Protejo, Neusa Maria destacou que o Brasil é o segundo maior país do mundo no contexto de violência doméstica e que é preciso mudar essa situação.
O projeto Eu me Protejo dissemina material criado e direcionado às crianças, com ou sem deficiência, adequando os comportamentos aos fatores de prevenção à violência.
— Nesse recorte das pessoas com deficiência, há no Brasil uma visão adultocêntrica. O projeto é para que todos possam entender a proteção como prevenção, e não como estímulo.
Duas mil famílias e 20 mil pessoas já foram impactadas direta ou indiretamente pelo projeto, segundo Neusa.
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