Após ser aprovado na Câmara e no Senado, será enviado à sanção do presidente da República o PL 4.199/2020, projeto de lei que cria o programa BR do Mar e libera de forma progressiva o uso de navios estrangeiros na navegação de cabotagem do Brasil, sem a obrigação de contratar a construção de embarcações em estaleiros brasileiros.
Na quarta-feira (15), a Câmara aprovou 18 de 26 emendas que o Senado havia apresentado ao projeto. No Senado, o relator da matéria foi Nelsinho Trad (PSD-MS).
De acordo com o substitutivo do deputado federal Gurgel (PSL-RJ), relator da matéria na Câmara, a partir da publicação da futura lei as empresas poderão afretar uma embarcação a casco nu, ou seja, alugar um navio vazio para uso na navegação de cabotagem.
Depois de uma transição de quatro anos, o afretamento de navios estrangeiros será livre: após um ano da vigência da lei poderão ser dois navios; no segundo ano de vigência, três navios; e no terceiro ano da mudança, quatro navios; daí em diante, a quantidade será livre, observadas condições de segurança definidas em regulamento.
As embarcações deverão navegar com suspensão da bandeira de origem. A bandeira vincula diversas obrigações legais, desde comerciais, fiscais e tributárias até as trabalhistas e ambientais.
Empresas brasileiras de navegação também poderão operar com esses navios estrangeiros sem precisar contratar a construção de navios no Brasil ou ter frota própria.
Haverá ainda dispensa de autorização para afretar navio estrangeiro por viagem ou por tempo, a ser usada na navegação de cabotagem em substituição a outra que esteja em reforma nos estaleiros nacionais ou estrangeiros.
Uma das emendas aprovadas especifica que, no afretamento por tempo, não poderá haver limite para o número de viagens; e a empresa brasileira de navegação indicará a embarcação a ser utilizada, que poderá ser substituída apenas por causa de situações que inviabilizem a sua operação.
O projeto facilita a atuação de empresas brasileiras de investimento na navegação, como já ocorre internacionalmente com aviões comerciais. Devido ao alto preço, grupos econômicos geralmente vinculados a bancos compram um avião e o alugam às companhias aéreas. Com as empresas de investimento em navegação ocorre o mesmo. O texto permite a essas empresas inclusive transferir os direitos de afretamento de embarcação estrangeira por tempo determinado às empresas de navegação, que são aquelas que realmente prestam o serviço de transporte marítimo.
Isso poderá ocorrer durante o período de construção de navio encomendado a estaleiro nacional e envolve navios afretados com capacidade até o dobro do navio encomendado.
A partir da criação do Programa de Estímulo ao Transporte de Cabotagem (também chamado de BR do Mar, alusão a uma espécie de “rodovia marítima”), as empresas que se habilitarem ao programa perante o Ministério da Infraestrutura terão direitos e deveres.
Embora as empresas de navegação de cabotagem devam ser constituídas sob as leis brasileiras e autorizadas pelo governo para poderem operar, elas podem ser controladas por capital estrangeiro. Grupos líderes do mercado doméstico são subsidiários de grandes grupos internacionais, como a dinamarquesa A.P. Moller-Maersk, o grupo espanhol Elcano e o grupo francês CMA-CGM.
Em qualquer situação de afretamento prevista no projeto, os contratos de trabalho dos tripulantes de embarcação estrangeira afretada seguirão regras internacionais, como as estabelecidas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), e também a Constituição Federal, que garante direitos como 13º salário, adicional de 1/3 de férias, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e licença-maternidade.
Nesse tópico, o deputado Gurgel incluiu dispositivo que prevê a precedência de acordo ou convenção coletiva de trabalho sobre outras normas que regem as relações de trabalho a bordo.
O texto torna obrigatória a abertura de vagas de estágio, nas embarcações brasileiras e estrangeiras afretadas, para brasileiros que fizeram cursos do sistema de ensino profissional marítimo. A regra vale tanto para os navios com suspensão ou sem suspensão de bandeira quanto para aqueles alugadas por tempo.
O texto dispensa a apresentação do Certificado de Livre Prática (CLP), em portos e instalações portuárias nacionais, por parte de embarcações que operam nas navegações de cabotagem, de apoio portuário e de apoio marítimo e na navegação interior, fluvial e lacustre de percurso nacional.
O CLP é uma permissão emitida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uma embarcação operar embarque e desembarque de viajantes, cargas ou suprimentos mediante análise das condições operacionais e higiênico-sanitárias da embarcação e do estado de saúde dos seus viajantes.
Em relação às nomeações para as agências de transportes, o texto acaba com a restrição que impede administradores de empresas reguladas pela Agência Nacional de Transporte Aquaviário (Antaq) e pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) de exercerem cargos de direção nesses órgãos.
Esse impedimento se refere ao período de 12 meses anteriores à data de início do mandato, atingindo ainda sócio ou acionista, gerente ou membro de conselho fiscal e empregado da fundação de previdência de que a empresa ou sua controladora seja patrocinadora ou custeadora. A restrição, constante da Lei 10.233/2001 e revogada pelo projeto, aplica-se ainda a membro de conselho ou de diretoria de associação, regional ou nacional, representativa de interesses patronais ou trabalhistas ligados às atividades reguladas pela respectiva agência.
Caberá ao Ministério da Infraestrutura definir as cláusulas essenciais dos contratos de transporte de longo prazo e qual tonelagem máxima poderá ser afretada em relação às capacidades das embarcações operantes com bandeira brasileira.
O Poder Executivo deverá definir limites de tonelagem total de navios afretados para contratos de longo prazo, que valerão apenas a partir da edição do ato.
Quanto à encomenda de navios no exterior, o Poder Executivo definirá normas para os contratos e as garantias, assim como sobre a fiscalização e o acompanhamento de sua construção.
A empresa habilitada no BR do Mar poderá afretar por tempo embarcações de sua subsidiária integral estrangeira ou da subsidiária estrangeira de outra empresa brasileira de navegação se o navio for de sua propriedade ou estiver sob contrato de afretamento a casco nu.
Esse afretamento de navios de subsidiárias poderá acontecer nos seguintes casos:
Entre as obrigações, os navios afretados deverão manter tripulação brasileira equivalente a 2/3 do total em cada nível técnico do oficialato, incluídos os graduados ou subalternos, e em cada ramo de atividade. O comandante, o mestre de cabotagem, o chefe de máquinas e o condutor de máquinas deverão ser brasileiros.
Se não houver tripulantes brasileiros o suficiente para atingir os 2/3 exigidos, a empresa habilitada poderá pedir à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) autorização para operar a embarcação específica com tripulação estrangeira por até 90 dias ou por uma viagem se sua duração for maior que esse prazo.
Os navios terão de se submeter a inspeções periódicas pelo Comando da Marinha, que exerce as atribuições de autoridade marítima no Brasil.
As empresas candidatas ao programa deverão comprovar situação regular de tributos federais e assinar um termo se comprometendo a apresentar periodicamente informações sobre expansão das atividades, melhorias na qualidade do serviço, valorização do emprego da tripulação brasileira contratada, desenvolvimento sustentável, transparência quanto aos valores dos fretes, entre outros pontos.
O substitutivo aprovado especifica que normas reguladoras não poderão criar nenhuma obrigação para essas empresas além da prestação dessas informações.
Se a empresa descumprir essas obrigações, perderá o direito de manter embarcação estrangeira no Brasil.
Entre os direitos estão a possibilidade de identificação como embarcação de bandeira brasileira e o uso do Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), cobrado de quem contrata o transporte, para a aplicação das mesmas condições comerciais para os serviços de apoio portuário.
Os navios estrangeiros afretados pelas regras do projeto contarão com o regime aduaneiro de admissão temporária, que implica a suspensão total de tributos, como imposto de importação, Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), PIS-Pasep-Importação, Cofins-Importação, Cide-Combustíveis e AFRMM.
Essas embarcações poderão ainda ser registradas no Registro Especial Brasileiro (REB), o que concede condições especiais de juros nos empréstimos feitos com recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM) e preços com isenção de tributos na construção, reparo ou reforma dos navios.
Quanto ao seguro, o substitutivo permite às empresas brasileiras de navegação contratarem essa proteção junto ao mercado internacional, seja para o casco, para as máquinas ou de responsabilidade civil (acidentes, por exemplo).
Atualmente, a legislação permite o uso de seguradoras internacionais somente se o mercado interno não oferecer coberturas ou preços compatíveis com o ofertado pelas estrangeiras.
Da Agência Câmara de Notícias
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