Representantes de produtores rurais do sul do país defenderam alterações no Código Florestal que permitam a construção de açudes em Áreas de Preservação Permanente (APPs). Eles fizeram esse pedido durante audiência pública, nesta quinta-feira (17), promovida pela Comissão de Agricultura (CRA) do Senado. Vários debatedores apoiaram a medida, mas outros se manifestaram contra alterações nessa lei.
O Código Florestal (Lei 12.651/2012) impede a construção de barragens em áreas ambientalmente protegidas, o que, segundo os representantes de produtores rurais presentes, resulta no desperdício do volume de chuvas de inverno, que poderia ser armazenado em açudes.
O senador Lasier Martins (Podemos-RS) foi o autor do requerimento para a audiência. Ele disse que o objetivo era obter sugestões práticas para minimizar os efeitos negativos das estiagens cíclicas, especialmente no Rio Grande do Sul. Ao ressaltar que é preciso acabar com esse problema, que vem sendo enfrentado há muito tempo pelos produtores rurais, o senador observou que a falta de chuvas se agrava a cada ano, resultando em inúmeros prejuízos para os agricultores.
— Conhecemos as causas, já que é muito constante a ocorrência desse fenômeno climático na região e, particularmente, no Rio Grande do Sul. Temos a obrigação de apurar saídas, deixando de estar apenas na rotina de sempre. Presenciei recentemente o drama dos produtores, em visita à região de Soledade, por exemplo, onde fiquei abismado ao ver o gado morrer de sede. Vi que a solução está, então, na água. Hoje nós queremos água para enfrentarmos os desafios da seca no sul do país — declarou Lasier.
O presidente da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Gedeão Silveira Pereira, afirmou que os prejuízos para os produtores do estado deverão alcançar R$ 32 bilhões em 2022 devido ao período de estiagem. Segundo Pereira, entre os maiores problemas está o impedimento jurídico aos agricultores de armazenarem a chuva — que, ressaltou ele, é abundante no inverno mas falta no verão. Ao protestar contra essa situação, o presidente da Farsul disse que os produtores rurais nunca são consultados.
— Estamos cheios de tecnologias para irrigar o Rio Grande do Sul. Precisamos, no entanto, driblar os maus entendimentos jurídicos, que não nos permitem reservar água devido ao Código Florestal. Não são permitidos açudes ou barramentos em cima das APPs. Propomos, então, suprimirmos uma APP, fazermos um açude e criarmos uma APP em cada lado desse reservatório. Assim, teremos água, que é vida, para usarmos em qualquer sistema de irrigação, o que é plenamente possível, desde que nos seja permitido — argumentou.
O senador Esperidião Amin (PP-SC) lamentou a projeção das perdas para os agricultores em 2022. Ele disse conviver com esses problemas desde a década de 1980, quando foi governador de Santa Catarina pela primeira vez, e observou que os períodos de estiagem têm sido cada vez mais frequentes e prolongados. Segundo ele, é preciso reservar água “da maneira que cada um pode”. O senador defendeu uma ação regional que permita o armazenamento hídrico, com um programa continuado de conservação do solo e recomposição da mata ciliar.
— Graças a Deus, temos as chuvas, até demais. Minha sugestão é uma dotação anual para um programa de conservação da água e do solo nos estados de Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. Precisamos criar um microcosmo que permita a conservação, com tipos de medidas em consonância com a cultura predominante nas pequenas propriedades de cada microrregião.
Para o presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Eduardo Bonotto, as próprias legislações contribuem para a escassez de água. Ele afirmou que, apesar dos avanços do país no que se refere à preservação ambiental, é preciso também lembrar da importância de se manter o alimento na mesa do cidadão. Bonotto defendeu a mobilização de entidades produtivas junto ao Congresso Nacional, e apelou por um “olhar diferenciado” do presidente da República, Jair Bolsonaro, e da ministra da Agricultura, Tereza Cristina.
— Precisamos urgentemente colocar essa pauta na mesa, e a maioria [dos problemas] passa pelas burocracias que as legislações ambientais trouxeram. Ninguém está aqui com o posicionamento de trazer danos ambientais, até porque o Rio Grande do Sul está entre os estados que mais preservam. Nós queremos é produzir grãos, criar animais e, de forma humanitária, colocar alimento na mesa do cidadão — declarou Bonotto.
O fundador do Instituto Espinhaço, Luiz Cláudio de Oliveira, questionou a ideia de alterar o Código Florestal para permitir a construção de barragens em APPs. Ele disse ser preciso evitar "teses de trincheira". Segundo Oliveira, “reserva de água é apenas parte da solução” para as temporadas de estiagens. Ele defendeu uma ação propositiva e integrada.
— O uso da APP é viável, desde que não se torne uma panaceia. É preciso uma conjuntura de esforços que evite problemas de médio e curto prazo.
Representante do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Fabiano Dallazen afirmou que a discussão é antiga e que a seca na região sul não é “culpa do Código Florestal”. Para ele, a estiagem não pode ser usada como pretexto para o descumprimento da preservação de reserva legal.
Subprocurador-geral da República do Ministério Público Federal (MPF), Luiz Augusto Santos Lima declarou que as soluções técnicas para permitir a construção de barragens já existem, mas que é preciso levá-las às autoridades competentes, de modo a agilizar os procedimentos. Segundo Lima, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece a medida como constitucional.
— Precisamos discutir nos fóruns competentes e dar efetividade às soluções técnicas que já existem e que, certamente, têm espaço.
O coordenador-geral de Irrigação e Drenagem do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Frederico Cintra Belém, destacou que há propostas em tramitação no Congresso Nacional que preveem alterações no Código Florestal para autorizar a construção de açudes em APPs. Segundo ele, a aprovação dos parlamentares é fundamental para trazer segurança jurídica, especialmente para os licenciadores. Belém sugeriu aos senadores uma “força-tarefa” que ajude a acelerar as mudanças.
— Quando conseguirmos avançar nesses instrumentos legais, ainda teremos o processo de licenciamento ambiental, para que os produtores consigam fazer esses barramentos e, de fato, executar essas estruturas. Não é um processo rápido. Então, se os tivermos aprovados [projetos com esse objetivo] até o meio do ano, acredito que essas construções serão possíveis até o fim de 2022 ou no ano que vem — avaliou.
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