A colaboração internacional para o controle climático e o alerta para mudanças na legislação brasileira que possam ampliar o desmatamento ilegal no Brasil foram alguns dos assuntos que dominaram os dois primeiros painéis do 2º Colóquio Brasil–Alemanha sobre política e direito ambiental, na Comissão de Meio Ambiente (CMA), nesta segunda-feira (21).
A audiência, que discute a função ecológica da propriedade e a relação entre a legislação sobre desmatamento e as cadeias produtivas, é uma promoção conjunta do Senado Federal com o Fórum Euro-Brasileiro sobre Democracia e o Observatório do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas do Poder Judiciário, vinculado ao Conselho Nacional de Justiça. O debate, que segue até o final da tarde, foi dividido em cinco painéis com a exposição de representantes das áreas política, jurídica e de pesquisa ambiental dos dois países.
Na opinião do embaixador da Alemanha no Brasil, Heiko Thomso, a proteção do clima e dos recursos naturais “é uma tarefa da humanidade” e deve ser trabalhada em conjunto. No entanto, ele enfatizou que o Brasil tem um “papel chave” na proteção global do clima, por abrigar a Floresta Amazônica e precisa demonstrar novamente que está preocupado com o desmatamento e os desafios da mudança climática assim como aconteceu no passado.
— Hoje, grande parte da comunidade internacional, incluindo a Alemanha e a União Europeia, espera que o Brasil volte a demonstrar o entendimento da gravidade do problema. O caminho nos parece bem claro: implementar as leis brasileiras que já existem, financiar agências competentes, respeitar as instituições relevantes e repensar aquelas leis que atualmente estão em discussão, incluindo mineração nas áreas indígenas, que, a nosso ver, teria um impacto negativo não somente para a preservação da Floresta Amazônica, mas também para a paz social na região e para a reputação do país.
A advogada do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Brenda Brito lembrou que na última década, o Brasil liderou o ranking dos países que mais desmataram, especialmente em se tratando da Amazônia. De acordo com ela, aquela região já perdeu quase 20% da sua cobertura florestal nos últimos 30 anos o que, segundo ela, se deve, em muitos casos, à invasão e não conservação de terras públicas. Ela alertou que essa situação tem levado a uma pressão sobre o Executivo e o Legislativo com o objetivo de mudar a legislação para favorecer justamente aqueles que estão ocupando essas terras ilegalmente.
— O que a gente vê nesse ciclo, que a gente identifica como ciclo de ocupação e desmatamento, é justamente o fato de que, se a lei em vigor não permite que essas ocupações sejam regularizadas, sejam tituladas, sejam privatizadas, a gente observa uma pressão sobre o Executivo e o Legislativo para que a legislação seja modificada para favorecer justamente aqueles que estão ocupando essas terras públicas. E, se a lei é modificada para atender esses interesses, o que a gente tem, então, é o início de um novo ciclo porque se eu acabei de mudar uma lei para favorecer quem está ocupando área recentemente, por que é que eu não posso mudar uma lei depois para favorecer as ocupações que vão continuar ocorrendo? E é nisso que a gente acaba ficando preso, nesse eterno looping aí desse ciclo que a gente chama de um ciclo de grilagem.
A representante do Imazon se referiu aos projetos em tramitação na CMA e na Comissão de Agricultura (CRA) que tratam do licenciamento ambiental (PL 2.159/2021) e da regularização de terra ( PL 2.633/2020) e o (PL 510/2021).
O presidente da CMA, senador Jaques Wagner (PT-BA), considera que a solidariedade ambiental deve ser “planetária” já que os efeitos da sua não preservação atingem o mundo inteiro. De acordo com ele, diferentes continentes tem sentido essas consequências pelo aquecimento global, a elevação do nível dos mares, das secas, das enchentes e dos dilúvios. O que, segundo o senador, deve ser justificativa para que o Brasil não permita retrocessos na legislação ambiental.
— Nós já temos uma legislação que, se houver vontade política, tanto na área do licenciamento quanto na área da regularização, nós temos legislação para fazê-lo. Agora, às vezes, não se abastecem os órgãos para que eles possam cumprir de forma eficiente, e depois se diz que a culpa é da lei, como se eu tivesse que precarizar a lei para que as coisas pudessem funcionar. Nós temos, aprovado já na Câmara dos Deputados, o PL 191, que permite a mineração em terra indígena ou próxima. O próprio Instituto Brasileiro de Mineração, o Ibram, que representa as empresas, se coloca contra essa lei.
A senadora Leila Barros (PDT-DF) reforçou as críticas à tentativa de mudança na legislação.
— É fundamental que esse debate seja travado aqui, no Senado Federal, pois o Congresso Nacional em breve terá de se posicionar sobre diversos temas, diversas proposições que poderão dificultar ainda mais a luta de quem trabalha a favor da preservação ambiental. É o caso do PL 510, de 2021, que facilita que terras públicas desmatadas de modo ilegal se tornem propriedade de quem as está utilizando, ou do PL 2.159, que flexibiliza as normas de licenciamento ambiental (...) No meu ponto de vista, esses projetos não podem ser aprovados nesta Casa.
O secretário nacional de Soberania Nacional e Cidadania do Ministério de Relações Exteriores do Brasil, embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto, esclareceu que o combate ao desmatamento ilegal tem sido cada vez mais prioridade absoluta do governo. Ele destacou que o enfrentamento das questões climáticas deve ser feita com a colaboração entre as nações e que é preciso corrigir a “visão equivocada” de que a produção agropecuária brasileira tem avançado trazendo prejuízos ao meio ambiente.
— A matriz energética brasileira, preponderantemente baseada em fontes renováveis, encontra-se entre as mais limpas do mundo. Graças a políticas públicas e ao marco jurídico avançado, o desempenho brasileiro em indicadores ambientais muito relevantes, como percentual de áreas protegidas, cobertura vegetal nativa e mudança do uso da terra para agricultura, encontram-se entre os mais elevados do mundo. O desenvolvimento sustentável do Brasil depende da conservação e do uso sustentável de seus ativos ambientais, que deverão crescentemente contribuir para a economia brasileira, para o seu desenvolvimento e especialmente para a inclusão social no país.
A ministra do Supremo Tribunal Federal, Carmen Lúcia, observou que o Brasil tem se destacado em “construir ótimas constituições e leis”, mas não tem tido a capacidade de criar a prática e o costume de aplicá-las conforme a intensidade dos problemas que se apresentam. Ela explicou que a Constituição tem dispositivo que garante a função social da propriedade como também assegura o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Para ela, o desenvolvimento sustentável precisa ser compatível com a garantia e o respeito e a defesa do meio ambiente, sem retrocessos nas legislações.
— A prática econômica que ofenda o meio ambiente é inconstitucional. Porque a Constituição determinou que a garantia dessa ordem econômica, para assegurar a todos existência digna, tem como fundamento a defesa do meio ambiente. E essa defesa é obrigação do Estado, em primeiro lugar, e da sociedade, por causa do princípio da solidariedade aqui encadeado diretamente. Por isso, várias vezes, o Poder Judiciário, o Supremo Tribunal, ao julgar as ações diretas de inconstitucionalidade sobre o Código Florestal, por exemplo, levou em consideração especificamente a obrigação do particular que destrói, ou tem que indenizar, ou tem que refazer, ou tem que proteger. A tipificação dos crimes ambientais feitas por essa Casa se deu no fluxo dessa responsabilidade.
Ao trazer a experiência da Alemanha, o membro do Parlamento daquele país, Christian Ruck, contou que o desmatamento na Alemanha cresceu maciçamente em razão da produção de alimentos e, com isso, a cobertura vegetal foi reduzida em 50%. Para controlar esse crescimento, segundo ele, uma legislação foi pensada e aprovada para garantir a sustentabilidade na silvicultura alemã e a proteção do meio ambiente para as gerações futuras. Ainda segundo Christian Ruck, a Alemanha também tem atuado estabelecendo parcerias internacionais que busquem a preservação das florestas e assim colaborar com o controle do clima.
— Não se pode comparar a situação da Alemanha. Nós temos muito orgulho das nossas árvores, mas não é a mesma coisa. A floresta alemã é importante, mas ela não é essencial para o clima mundial. No entanto, as florestas tropicais – essas, sim – são essenciais para o clima global, regional também, mas são decisivas. Eu acho que esta é a diferença entre Brasil e Alemanha: as suas florestas são decisivas, as nossas são importantes regionalmente. Por isso nós temos também esse engajamento, que é apoiado por uma grande parte da população, e, claro, nós olhamos com muito foco o que acontece na América Latina e no Brasil.
Já o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Antonio Herman Benjamin, ressaltou que a função ecológica da propriedade não existe somente na Constituição do Brasil, mas também na legislação de países vizinhos, como a Colômbia, Bolívia, Equador, que fazem parte da Amazônia continental. No entanto, ele afirmou que nem todos os países da Pan-Amazônia possuem esse princípio e por isso defendeu entendimentos para “harmonização” dessa legislação de preservação da floresta Amazônica.
— E aí, quando os negociadores brasileiros se preocupam tanto com disparidade de regimes jurídicos no mundo, creio que nós, às vezes, esquecemos de que precisamos, na Pan-Amazônia, ter um regime minimamente harmônico de proteção dos recursos naturais, porque, do contrário, o Brasil ficará com uma legislação muito mais dura que a nossa e a que nós queremos e aceitamos (...). Portanto, creio que é dever da diplomacia brasileira buscar um diálogo no âmbito do tratado amazônico para harmonizar, minimamente que seja, a legislação e, quem sabe, o marco constitucional desses países no que se refere à proteção do meio ambiente.
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