A comissão de juristas formada para elaborar uma proposta legislativa sobre a inteligência artificial (IA) no Brasil voltou a receber convidados nesta sexta-feira (29) para uma série de debates sobre o tema, iniciados na quinta (28). Segundo os especialistas, sem um ambiente regulatório claro, que ofereça segurança jurídica, o setor terá muita dificuldade para se desenvolver no país.
Para o representante da P&D Brasil, associação que reúne empresas de desenvolvimento tecnológico e Inovação, Gustavo Xavier de Camargo, a futura lei vai precisar também definir um órgão responsável pelo controle regulatório que seja capaz de coordenar regulações setoriais, além de estabelecer sanções bem definidas, com divisão de responsabilidades.
— A IA é muito difícil de ser regulada de forma central, por isso vamos precisar um sistema de regulação setorial. Estamos falando das mais diversas aplicações, e muito específicas [...] Também precisaremos de regras claras sobre a divisão de responsabilidades na cadeia entre os atores. Uma aplicação pode conter dezenas de sistemas de IA, e cada um dos players fornecedores tem um grau de responsabilidade — explicou.
Ele ainda advertiu que a aplicação da IA é tão ampla que os legisladores terão que observar os sistemas que podem gerar mais e menos riscos na elaboração da legislação.
— Essa visão é importante no momento de regulação efetiva. É muito relevante se levar em consideração a finalidade para definição do risco. Os veículos autônomos que circulam numa fazenda para plantio de sementes, por exemplo, apresentam grau de risco muito diferente dos carros autônomos que andam nas ruas — avaliou.
Ao opinar sobre a regulação, o advogado e professor Fabrício de Mota Alves, que integra a comissão de juristas, afirmou que, se o Legislativo não enfrentar a questão, o Judiciário o fará.
— E poderá fazê-lo da pior forma, que é se arvorando de atribuições de regulação e fiscalização que não lhe competem — alertou.
Integrante do Observatório Político do Setor de Serviços, Mariane Schettert chamou a atenção para a importância de o marco regulatório prever incentivos adequados para promoção de políticas de capacitação e educação da população para o uso de novas tecnologias. Ela destacou a relevância da capacitação da força de trabalho, da inclusão digital, da formação de professores e do estímulo aos estudantes.
— A essência das tecnologias baseadas na IA é promover inovação, mas sem educação vai haver empecilhos naturais para o aumento da competitividade, o crescimento econômico inclusivo e a promoção do desenvolvimento humano e social — alertou.
A situação das crianças e adolescentes diante da rápida expansão da inteligência artificial também foi abordada na reunião desta sexta-feira. O representante do Instituto Alana, especializado na defesa dos direitos desse público, Pedro Hartung, lembrou que os jovens são um terço dos usuários de internet no Brasil e no mundo e merecem uma atenção especial, visto que todas as novas tecnologias tendem a impactá-los de forma mais intensa.
— Infelizmente o que ocorre hoje em dia no uso da IA está atrelado ao modelo de negócio que é a exploração comercial dos usuários. Em vez de usarmos a IA para promoção de direitos e apoio ao desenvolvimento humano, o que temos visto é o uso para exploração comercial — lamentou Pedro Hartung, que pediu aos juristas a inclusão das crianças no centro de todas as discussões sobre esse tema.
Instituída por ato do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a comissão de juristas foi instalada em 30 de março. A previsão é que o grupo analise três projetos de lei sobre o assunto: o PL 5.051/2019 , do senador Styvenson Valentim (Podemos-RN); o PL 872/2021, do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB); e o PL 21/2020, do deputado federal Eduardo Bismarck (PDT-CE).
A comissão é formada por 18 juristas. O presidente do colegiado é ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Ricardo Villas Bôas Cueva. A relatora é a jurista Laura Schertel Ferreira Mendes.
Os debates prosseguem na parte da tarde, com a realização de mais um painel, sobre riscos da IA e ações de precaução.
Na quinta-feira, os juristas e os especialistas convidados discutiram temas como princípios para um marco regulatório do setor e meios de garantir a regulação do setor sem travar a inovação.
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