Cobrados nesta quinta-feira (5) em relação ao elevado preço das passagens, representantes das companhias aéreas e do governo reconheceram o problema em audiência das comissões de Infraestrutura (CI) e de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Eles explicaram aos parlamentares que uma série de fatores tem contribuído para pressionar para cima o custo dos bilhetes, como o combustível, a alta do dólar e a variação de demanda de passageiros, principalmente depois de sucessivas ondas de covid-19.
Senadores e convidados debateram na reunião a Medida Provisória (MPV) 1.089/2021, que muda regras da aviação civil nacional. O texto já passou pela Câmara dos Deputados e agora tramita no Senado, sob a relatoria de Carlos Viana (PL-MG). Segundo o governo, a MP faz parte do programa Voo Simples, lançado em 2020 para reduzir a burocracia do setor e atrair novos investimentos.
O senador Carlos Portinho (PL-RJ) duvida que o custo do querosene de aviação seja de fato um dos grandes vilões. Ele deu exemplo do que ocorreu recentemente com o Galeão, no Rio de Janeiro, aeroporto no qual o governo do estado reduziu o ICMS para operações. Apenas a Gol se habilitou para fazer jus ao benefício e ainda migrou, um mês depois, para o Santos Dumont.
— Foi uma medida do governo estadual para levar de volta os voos que o Galeão tem perdido para o Santos Dumont [...] Até que ponto o argumento da querosene justifica o preço das passagens aéreas? Jogar na conta do combustível não é verdadeiro pelo exemplo que vimos no Galeão, que, diga-se de passagem, não é um aeroporto qualquer. É um hub internacional — opinou.
O presidente da Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear), Eduardo Sanowicz, explicou que o querosene de aviação subiu 209% desde abril de 2017; e o dólar, 60%. Ele ponderou no sentido de que os meios de comunicação debatem muito o preço da gasolina, do diesel e do gás de cozinha, mas que o querosene também tem sido reajustado. E muito. A situação se complica ainda mais, segundo ele, porque metade dos custos na aviação são dolarizados.
Ao responder o senador Carlos Portinho, o representante da Abear esclareceu que um sério problema do Galeão é que o aeroporto não tem registrado demanda, pois os passageiros, por motivos diversos, estão preferindo o Santos Dumont.
O gerente de Previsão de Preços, Mercado e Vendas da Petrobras, Diogo Bezerra, alegou que os preços dos combustíveis em geral, assim como de outras commodities, são negociados internacionalmente e influenciados pelos balanços globais.
— A Petrobras não exerce monopólio e pratica preços competitivos em equilíbrio com o mercado internacional, conforme a legislação vigente, sendo fiscalizada por uma dezena de órgãos de controle. Também não há restrições legais ou regulatórias para que outras empresas atuem na importação de QAV [querosene de aviação] — afirmou.
Na mesma linha, o superintendente de Defesa da Concorrência da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Bruno Conde Caselli, afirmou que os preços seguem a cotação do produto no mercado internacional e estão sob forte influência da variação cambial no mercado interno. Conforme o representante da ANP, o Brasil precisa importar o combustível e tem havido forte elevação nos preços, principalmente, a partir de meados de 2019.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) também foi ouvido pelos parlamentares. O conselheiro Gustavo Augusto Freitas de Lima disse que a instituição não tem o papel de tabelar preços dos produtos e serviços mas de dizer se o preço pago pelos consumidores é justo ou está sendo inflado artificialmente. Neste caso, o órgão atua para inibir práticas irregulares e aplicar sanções.
— Nos últimos dez anos investigamos mais de 20 cartéis, identificamos 15 cartéis no setor de óleo e gás e foram aplicados mais de R$ 500 milhões em multa.
Segundo ele, o preço do combustível não é a única preocupação no setor aéreo. O algorítimo das empresas também chamou atenção do Conselho, que está monitorando e abriu uma investigação para apurar possíveis irregularidades.
— Temos hoje no Cade uma tecnologia sofisticada e estamos diretamente monitorando as empresas. Não podemos dar detalhes por conta da investigação em curso, mas em breve esperamos uma conclusão — prometeu.
Os algorítimos são operações digitais de cálculo utilizadas pelas companhias aéreas em várias situações, em princípio para dar a elas maior eficiência em um mercado gigantesco e às voltas com a complexa economia global, além de especificidades locais. Uma dessas circunstâncias é a precificação, ou seja, o estabelecimento do preço das passagens no momento da venda. Nesse caso, uma série de variáveis é levada em conta: demanda, oferta de assentos, distância do destino, custo da operação, entre outras.
Segundo especialistas, os algorítimos, assim como ocorre nas interações de perfis em redes sociais, são capazes de identificar situações e manejá-las em favor da lucratividade das empresas. Quanto a isso, não há impedimento. O irregular é quando a manipulação de dados se efetiva em detrimento dos interesses dos passageiros. Apenas a título de exemplo, já que o representante do Cade não quis descrever os casos que o órgão investiga, estudiosos do setor citam o bloqueio proposital de assentos para fazer com que a relação entre demanda e oferta seja maior, elevando, de cara, o preço da passagem. No exterior, a imprensa tem noticiado uma operação bastante danosa aos consumidores: há empresas suspeitas de separar entes familiares no momento da marcação de assentos para depois cobrar pela troca de lugares.
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