Sessão temática promovida nesta segunda-feira (15) no Senado para debater a eficácia de um tratamento profilático para a covid-19 evidenciou divergências entre médicos sobre o uso de medicamentos como ivermectina, hidroxicloroquina e azitromicina como forma de prevenção da doença. O requerimento para realização do debate foi do senador Eduardo Girão (Podemos-CE).
Eduardo Girão defendeu que o tratamento profilático não descarta a importância de outras medidas já em prática contra o coronavírus, como o uso de máscaras e o distanciamento social. O senador relatou que seu pai, de 77 anos, teve covid-19 recentemente e o médico recomendou que ele triplicasse a dose de ivermectina. Girão acrescentou que seu pai ficou praticamente assintomático durante a infecção e que hoje está bem.
— Uma arma não anula a outra. Sou favorável à vacina, ao uso de máscara, à questão do distanciamento social, da higienização das mãos com álcool em gel. Sou favorável a isso tudo, mas também, com recomendação médica — uma posição pessoal — sou favorável ao tratamento preventivo e precoce da covid-19, até porque eu uso, através de recomendação, repito, médica — enfatizou.
Os defensores da prescrição desses remédios afirmaram que não houve tempo suficiente para que os estudos apontem a eficácia dos medicamentos e que é preciso utilizar todas as “armas” à disposição no enfrentamento da pandemia.
Para o neurocirurgião Paulo Porto de Melo, o Brasil pode estar na vanguarda do enfrentamento da covid-19 com o uso desses medicamentos.
— Dizer que ninguém mais no mundo não está usando também não é argumento válido. O Brasil faz pesquisa de ponta, senhores. Então, se os outros não fazem, pode ser que nós sejamos aqueles que vão indicar o caminho para os outros. Vamos parar com essa crise de 'vira-latismo', de achar que nós temos de seguir o que os outros fazem e acreditar no que o brasileiro está fazendo — defendeu.
Em contraposição, o presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Clóvis Arns da Cunha, afirmou aos senadores que não há evidências de que esses medicamentos sejam eficazes como profilaxia da doença ou como tratamento precoce (assim que aparecem os primeiros sintomas) ou tardio. Ele ressaltou que a Organização Mundial da Saúde (OMS) e agências reguladoras de vários países desaconselham o uso desses medicamentos contra a covid-19.
— Na fase chamada assintomática ou pressintomática, nenhum medicamento infelizmente mostrou eficácia. Por outro lado, quando o paciente tem a doença grave com falta de oxigênio, o uso de corticoide junto com a enoxaparina ou a heparina para evitar trombose e a oxigenoterapia salvam vidas — disse.
Já o médico especialista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) Flavio Cadegiani reconheceu que não há comprovação de que os medicamentos funcionem, mas defendeu o uso deles “na ausência de alternativas terapêuticas”. Ele acredita que esses medicamentos se mostrarão eficazes em futuros estudos.
— Na ausência de alternativas terapêuticas, por que você não poderia lançar mão daquilo que tem o mínimo de evidência e não tem questões de segurança? A meu ver, existe, sim, a chance de utilização de medicamentos enquanto não há a comprovação — apontou.
Por sua vez, o médico e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) André Siqueira apontou que as pesquisas randômicas, consideradas o “padrão ouro” entre os estudos científicos, não mostraram benefícios da invermectina e demais fármacos na prevenção e tratamento da covid-19. Segundo ele, as UTIs estão cheias de pessoas que fizeram tratamento preventivo com esses medicamentos. Reforçou ainda que até agora apenas as vacinas e medidas de distanciamento social têm se mostrado eficazes para limitar a propagação do coronavírus.
— Não é uma torcida contra. É um fato de que elas não impedem a progressão da doença. Então, a melhor prevenção, no momento, que a gente tem, são as vacinas, de fato, aplicadas o mais rapidamente, o mais amplamente possível, impedindo a infecção daquele indivíduo, e outras medidas de controle, que vão impedir a transmissão doença — disse Siqueira.
O vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, Donizetti Dimer Giamberardino Filho, reforçou que a instituição garantiu a autonomia sobre o tratamento precoce para covid-19 e o uso “off label” de medicamentos, ou seja, sem o reconhecimento da eficácia pela Anvisa, mas admitiu que “a ciência ainda não concluiu de maneira definitiva sobre esses medicamentos. Segundo ele, o CFM entende que cabe ao médico realizar o tratamento que julgar adequado, desde que com a concordância do paciente infectado.
— Nós sabemos que a medicina é dinâmica e muitas coisas podem se tornar verdades, mas nós não podemos confundir intuições, com muito boa intenção, com evidências científicas. Então, nós só permitimos, sim, essa liberdade no tratamento individual, caso a caso, e o médico responde por seus atos, em sua plenitude — assinalou.
A senadora Zenaide Maia (Pros-RN), que é médica, disse que o Brasil precisa seguir o padrão internacional de enfrentamento da doença e defender sempre a ciência.
— Será que o mundo todo está errado, só o Brasil, que resolveu dizer que tem prevenção com ivermectina, com isso e aquilo? Porque o mundo todo mostra que a única maneira de se evitar, a salvação do povo é vacina. E, antes dela, é o distanciamento social, o uso de máscara e a higienização das mãos. Isso é incontestável - assinalou.
Ex-ministro da Saúde, o senador Marcelo Castro (MDB-PI), que é também médico, reforçou que a vacina é a saída para acabar com a pandemia.
— A vacinação é a única solução que existe, não há outra. Ou nós vacinamos ou isso vai continuar como está. Nós não podemos desinformar a opinião pública, nós temos que ser comedidos naquilo que nós dizemos, sobretudo nós que somos autoridades, devemos dar o exemplo, dar entrevistas de máscaras, recomendar o distanciamento social, o uso do álcool em gel e lavar frequentemente as mãos com água e sabão, porque são medidas higiênicas que efetivamente diminuem o contágio — disse o senador.
Alguns dos participantes criticaram a “excessiva politização” do debate em torno do tratamento precoce no Brasil.
— Países como Bangladesh, como Índia, como vários países da África, que utilizaram tratamentos profiláticos e tratamento precoce, tiveram uma diminuição substancial de mortalidade, assim como algumas cidades do Brasil. A politização foi absurda, porque acabou de haver lá, no Sul, também, um partido político entrando com uma ação contra um prefeito, vários partidos entrando com ação contra o ministro da Saúde — disse a médica oncologista e imunologista Nise Yamaguchi.
Senadores avaliaram que a politização passa pela defesa de medicamentos sem comprovação científica. Segundo Flávio Arns (Podemos-PR), Zenaide Maia e Jean Paul Prates (PT-RN), quando autoridades como o presidente da República falam em rede nacional e em redes sociais sobre o uso de hidroxicloroquina, passa-se a falsa impressão de que as pessoas estarão imunizadas contra a covid-19, o que gera o efeito oposto: mais pessoas vão parar nos hospitais.
Jean Paul Prates afirmou, ainda, que os médicos devem der autonomia para prescrever caso a caso conforme o paciente, mas criticou a recomendação genérica desses medicamentos.
—Talvez a gente não estivesse nessa situação se não tivessem sentido uma sensação de imunidade provocada pelo medicamento. Tem o sintoma, foi diagnosticado, foi tratado por um médico, o médico olhou a pessoa? Ok, vamos lá, pode tomar aspirina também, de repente dá certo. Agora, a posologia dada genericamente na TV em horário nobre, eu acho que passa um pouco do ponto — criticou.
A cardiologista Ellen Guimarães, convidada do debate, disse que nenhum médico prescreve um “kit covid”, mas analisa caso a caso conforme o paciente. Segundo ela, os malefícios aparecem em razão de dosagens inadequadas.
— A hidroxicloroquina e muitas outras drogas podem fazer uma alteração, mas poucas delas são capazes de levar a arritmias fatais. E a gente já têm estudos, inclusive em revistas famosas mostrando a segurança do uso dessa droga em vários estágios da doença. Isso é sobre dose independente. Os estudos que mostraram malefícios usaram doses não adequadas da droga — disse.
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