O impacto da reforma trabalhista no cotidiano de funcionários de redes de fast-food no Brasil foi o ponto principal de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) nesta segunda-feira (8). Os participantes do debate denunciaram atos de desrespeito a direitos dos trabalhadores dessas lanchonetes. Apontaram, por exemplo, que o uso de negociações individuais e não mais coletivas tem deixado os trabalhadores em situação de fragilidade ante empresas com grande poder econômico. Para os convidados, é preciso reforçar os canais de denúncias.
O ciclo de debates teve o objetivo de discutir a Sugestão 12/2018 — que propõe um Estatuto do Trabalho. O texto resultou da Subcomissão do Estatuto do Trabalho, que funcionou no âmbito da CDH entre agosto de 2017 e novembro de 2018. Relator da matéria, o senador Paulo Paim (PT-RS) adiantou que encaminhará as denúncias colhidas na audiência ao Ministério Público do Trabalho, à Defensoria Pública e aos órgãos de fiscalização do trabalho. Além disso, ele deverá inserir no projeto de lei um capítulo especial sobre o assunto.
— Todos os anos recebemos denúncias de trabalhos em condições de escravatura no Brasil e esses números são alarmantes. Também é forte a discriminação da mulher, inclusive por questões de aparência, e o registro de casos de racismo. São absurdos que não podemos mais aceitar. Vamos encaminhar essas denúncias às autoridades competentes, cobrar respostas, e usar essas informações na construção do nosso relatório — afirmou o senador.
A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) disse que o trabalho intermitente é uma forma de escravidão, pois essa forma de emprego sequer dá garantia de recebimento do salário ao fim do mês. A parlamentar celebrou o movimento mundial intitulado “Sem direitos não é legal”, mas criticou atos do governo Bolsonaro, como a Medida Provisória 1.109/2022, que propõe novas alterações nas leis trabalhistas.
Zenaide Maia declarou que as autoridades não podem permitir nenhum direito a menos para os cidadãos. E considerou que todo trabalhador precisa conhecer seu sindicato. Ela lembrou que são essas as instituições de defesa de quem gera renda.
— As denúncias apontadas nesta audiência são mais verdadeiras do que muitos imaginam. [Governantes] ainda acham pouco e sugerem mudanças como as contidas nessas medidas provisórias; é tudo muito triste, mas nada disso vai nos fazer baixar a cabeça. A gente vai dar visibilidade à população brasileira, porque informação correta é poder — declarou.
O presidente da Força Sindical, Miguel Eduardo Torres, afirmou que a reforma trabalhista levou as negociações a deixarem de ser coletivas. Ele apontou que a situação dos trabalhadores das redes de fast-food se agrava por haver dificuldades de organização da categoria e pelos contratados serem em sua maioria jovens em condição de primeiro emprego. Torres também disso que o assunto é grave, por envolver relatos de assédio moral e sexual, além de tratamento desumano, a exemplo de jornadas exaustivas e sem direito a alimentação adequada ou descanso.
— Não podemos admitir que isso continue ocorrendo. Precisamos fortalecer o tratamento sindical dentro, também, da rede fast-food e temos acolhido essa demanda junto às nossas centrais, numa luta que sei ser incansável — declarou.
Advogada do Sindicato Internacional de Empregados de Serviço (Seiu), dos Estados Unidos, Mary Joyce Carlson disse que muitos trabalhadores deixam de se manifestar por serem jovens. Ela informou que a União Europeia fará uma reunião global sobre o tema no dia 7 de setembro, com a presença de representantes brasileiros. Segundo ela, na ocasião também serão apresentados relatos de testemunhas sobre casos de violência por questões de gênero sofridos por funcionários de redes de fast-food.
Mary Carlson disse ser preciso buscar apoio para a ações da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pressionar as empresas brasileiras a atender às leis de trabalho. A debatedora observou também que, de acordo com as diretrizes da OCDE, todos os trabalhadores têm direito a um ambiente de trabalho salutar e seguro.
— Muitos desses jovens estão tendo o primeiro emprego e precisam trabalhar porque muitos garantem os sustentos de suas famílias. Precisamos atuar conjuntamente com governos e conclamar empresas a assegurar que esses jovens possam aprender em um ambiente seguro e saudável.
Consultor sindical e coordenador da campanha “Sem direitos não é legal”, Rafael Messias Guerra afirmou que são semelhantes as denúncias de assédio moral registradas em unidades de fast-food ao redor do Brasil. Ele considerou importante jovens trabalhadores conhecerem seus direitos relativos, principalmente, a atitudes de assédio, racismo e homofobia.
O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luiz Antonio Colussi, destacou a participação das forças sindicais na audiência pública da CDH e defendeu um alinhamento das entidades em busca de um meio ambiente laboral sadio, onde todos tenham direito à integridade física e mental. O juiz informou que a Anamatra desenvolve uma campanha intitulada “Trabalho sem assédio” e chamou a atenção dos demais debatedores para o futuro dos funcionários das redes de fast food já que, na opinião do debatedor, o avanço da vida digital pode significar uma ameaça a esses empregos.
Ex-funcionários da rede de fast food McDonald’s relataram casos de racismo e assédio sexual e moral que seriam praticados na empresa, além de desrespeito à legislação trabalhista, como excesso de atribuições com poucos atendentes e salário fora do mínimo, baseado na permissão do trabalho intermitente após a reforma trabalhista. Hítalo Almeida de Araújo, por exemplo, afirmou que, ao longo da pandemia de covid-19, funcionários infectados pelo vírus continuavam trabalhando normalmente, ao tempo em que esses casos eram ocultados aos demais integrantes da equipe. Hildayane Saraiva Aragão denunciou episódio em que um gerente a impediu de assumir o posto de anfitriã do salão de uma unidade da lanchonete sob alegação de que a então funcionária seria “gorda e feia demais” para a função.
Já Adriana Cristina Serafim Ribeiro falou de casos de assédio sexual que sofreu, de um gerente, e de assédio moral, por parte de uma ex-gerente da lanchonete. Emocionada, a jovem disse que comentou o assunto publicamente pela primeira vez na audiência da CDH. E afirmou que, apesar de ter relatado os fatos às instâncias competentes da empresa à época, teve negado o direito a ajuda.
—[O gerente] tocava no meu cabelo, passava a mão no meu corpo e me chamava de gostosa. Hoje estou bem, por estar trabalhando em outra área, mas não foi nada fácil chegar até aqui — declarou.
Representantes do McDonald’s foram convidados, mas não participaram da audiência pública. A empresa, no entanto, enviou uma carta à comissão, que foi lida pelo senador Paulo Paim. Na carta, a representante que opera a marca no Brasil, Arcos Dourados, declara que a empresa segue “rígido código de conduta”. Segundo a mensagem, toda reclamação de funcionários é anônima e “devidamente registrada” e, quando as denúncias são comprovadas ao fim dos processos, medidas punitivas são aplicadas. A empresa disse ainda que a entidade jurídica representativa do setor de fast-food seria a plataforma mais adequada para o tratamento do tema.
Paulo Paim considerou “verdadeiros, fortes e contundentes” os depoimentos dos ex-funcionários da rede à CDH. O parlamentar declarou que a atuação da comissão, com instrumentos como a audiência pública desta segunda-feira, é fundamental para erradicar todo e qualquer caso de violência, assédio ou discriminação.
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