A Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI) aprovou nesta quarta-feira (17) o projeto do marco regulatório para a exploração de energia — seja eólica, solar ou das marés — em alto mar no Brasil. O PL 576/2021 regulamenta a autorização para aproveitamento do potencial energético offshore, ou seja, instalado no mar. Do senador Jean Paul Prates (PT-RN), o projeto foi aprovado na forma do substitutivo do senador Carlos Portinho (PL-RJ) em caráter terminativo. Por isso j[a deve seguir para análise da Câmara dos Deputados, desde que não haja recurso para análise pelo Plenário.
O texto trata do aproveitamento de bens da União para geração de energia a partir de empreendimento offshore. A proposta aprovada estabelece a concessão do direito de uso desses bens para geração de energia ou a outorga mediante autorização. A regra vale para empreendimentos situados fora da costa brasileira, como o mar territorial, a plataforma continental e a Zona Econômica Exclusiva (ZEE).
O relatório já havia sido apresentado em 12 de julho, no entanto Portinho, ouvindo agentes públicos e privados, apresentou uma complementação de voto na reunião desta quarta-feira com "ajustes pontuais" na tentativa de “dirimir interpretações equivocadas dos dispositivos”.
— Acredito que chegamos ao melhor texto, aquele que ordena da melhor forma o processo de autorização ou de concessão. Se houver concorrência, não há como fugir da concorrência e da licitação, não é? E acredito que dessa maneira vamos remunerar o Estado brasileiro, permitindo o seu investimento em infraestrutura também, que é muito importante, e também dos estados e dos municípios, assim como das comunidades pesqueiras, os pescadores, e outras — disse.
A principal fonte de energia no Brasil é a hidrelétrica. Para Jean Paul Prates, autor da matéria, a diversificação da matriz energética é fundamental para o aumento da segurança energética do sistema elétrico nacional. Além disso, salienta, o mercado de energia offshore pode trazer mais atratividade e competitividade ao país nos próximos anos, devido às condições favoráveis de clima e ambiente operacional de baixo custo.
— Esse projeto não se resume à energia eólica no mar, ele trata da titularidade do mar territorial, plataforma continental, zona econômica exclusiva e outros corpos de água internos, inclusive: lagoas, lagos, espelhos d'água, para uso de geração de energia. Eu costumo dizer que esse projeto está pronto para qualquer coisa que ainda seja inventada usando a força do mar, as ondas, o vento no mar. Mas, obviamente, hoje ele se destaca no sentido de permitir esse novo horizonte imediato de investimentos que é o da energia eólica offshore, ou seja, a geração de energia a partir do vento dentro do mar, no mar brasileiro. E para isso nós precisávamos de um marco legal, porque trata-se de todo um conjunto de bens públicos em que há necessidade de segurança jurídica total para que os investidores façam seus vastíssimos investimentos — argumentou Jean Paul Prates.
Hoje já existem diversos projetos eólicos com estudos em curso, e os números são crescentes: em agosto de 2021, informativo do Ibama relatou a existência de 23 projetos eólicos offshore em licenciamento, somando quase 50 GW de potência instalada. Desse total, ao menos 12 apresentavam alguma sobreposição de área. Alguns meses depois, em janeiro de 2022, o Ibama atualizou os dados, indicando 37 projetos sob sua análise, com potência instalada total superior a 80 GW e ao menos 25 áreas com algum nível de sobreposição.
Serão integrados à proposta mares que estão sob o domínio da União e que tenham viabilidade para a implementação de projetos eólicos. Contudo, o projeto não trata de atividades de geração eólica nas águas internas. Nessas áreas, o vento não apresenta a mesma força que em certas regiões da superfície do oceano e, por isso, resulta em menor eficiência na geração energética.
Em seu parecer, Portinho destacou a importância de se permitir o aproveitamento do potencial energético da plataforma continental brasileira e outros corpos hídricos sob o domínio da União.
O relator explicou ainda que marco legal para offshore visa a proporcionar a devida segurança jurídica para permitir o investimento de longo prazo. Ele acrescentou que, assim como para a fonte solar — que faz uso da micro e da minigeração distribuída — o potencial offshore precisa estar adequadamente estruturado, de forma que fornecedores de bens e serviços possam estar aptos para atender a essa nova demanda, que os geradores possam escoar sua produção até o ponto de conexão com a rede básica, e que possam utilizar o produto de seus investimentos de forma econômica, trazendo benefícios para todos os participantes, inclusive os estados e municípios em que se encontram esses potenciais de geração.
Portinho declarou que foi necessário apresentar um texto alternativo devido à publicação, em 2022 (após a apresentação do projeto por Jean Paul Prates), do Decreto 10.946, de 25 de janeiro, com objetivo de normatizar a “cessão de uso de espaços físicos para aproveitamento de recursos naturais em águas interiores de domínio da União, no mar territorial, na ZEE e na plataforma continental para fins de geração de energia elétrica a partir de empreendimento offshore”. Pelo decreto, disse Portinho, fica patente o papel do Ministério de Minas e Energia na execução das políticas públicas energéticas para um ambiente de transição energética do século 21.
A norma prevê a cessão de uso de prismas (ou polígonos) para a geração de energia elétrica offshore, por qualquer fonte, nas águas interiores da União, no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental. Estão excluídos da competência do Decreto os rios e bacias hidrográficas.
Contudo, Portinho salientou que o decreto é um estatuto infralegal, e o considera frágil para a adoção de medidas de longo prazo, sem a devida segurança jurídica que os investimentos em infraestrutura demandam, e para que tenham retorno econômico para todos os agentes envolvidos, capital financeiro, consumidores, usuários e governos. Por isso ele considera a importância de o assunto ser tratado em lei. Permitindo ao governo a sua regulamentação e definições dos leilões.
— Ninguém vai atrair investimentos bilionários para o nosso país por decreto, que amanhã se altera, no apagar da noite — argumentou.
O projeto lista, entre os princípios e fundamentos para a exploração offshore: a busca pelo desenvolvimento sustentável com inclusão social e pelo combate à crise do aquecimento global; o interesse público, garantido por meio da transparência ativa e da participação popular; a economicidade e racionalidade no uso dos recursos naturais, visando fortalecimento da segurança energética; a abertura ao estudo e desenvolvimento de novas tecnologias de energia limpa a partir do aproveitamento do espaço offshore; a harmonização do uso marítimo e dos demais corpos de água sob domínio da União; a proteção e a defesa do meio ambiente e da cultura oceânica; e a responsabilidade quanto aos impactos e às externalidades decorrentes da exploração da atividade de geração de energia.
De acordo com o relator, o empreendimento para aproveitamento de potencial energético offshore exige projetos intensivos em capital, de maturação longa e de tal relevância que torna imprescindível aos empreendedores ter qualificação técnica, jurídica e econômica para fazer frente aos desafios de um projeto desenvolvido na plataforma continental.
Além disso, os estudos da viabilidade e do potencial de um determinado bloco dedicado à geração de energia requerem investimentos, e, por serem de interesse público, não devem ser desperdiçados ou mantidos como se fossem de posse privada. Por isso, o texto de Portinho estabelece que os dados obtidos nos estudos realizados pelos potenciais agentes de determinado prisma integrarão um banco de dados, um inventário brasileiro de energia offshore, de acesso público. Os custos de pesquisa, de estudos, ou mesmo a mera permissão não gera direito adquirido para seus titulares. Por fim, os dados dos estudos subsidiarão o processo de licenciamento do empreendimento, no que couberem, evitando custos desnecessários.
O relator também tratou de garantir o ressarcimento, ainda que parcial, dos valores investidos, caso o empreendedor não seja vencedor, nos termos do regulamento.
Outra preocupação de Portinho foi determinar que as participações governamentais devam ser bem dosadas para, ao mesmo tempo, dotar o poder público de recursos para fazer frente às demandas que lhes serão direcionadas e evitar que o empreendimento se torne oneroso e não atrativo, pois, ao fim, esses custos serão repassados para os consumidores ou para os produtos cujos insumos sejam a energia gerada no ambiente offshore.
O substitutivo estabelece a aplicação exclusiva para os potenciais energéticos nele listados, mantendo os atuais marcos para potenciais hidráulicos e recursos minerais, como a exploração de hidrelétricas ou de petróleo, ambos com regras próprias e já conhecidas pelos empreendedores.
São definidos dois tipos de outorga passíveis de serem celebradas entre o empreendedor e a União. No seu voto complementar, Portinho redefiniu essas duas modalidades de oferta: a Oferta Permanente e a Oferta Planejada.
Ele esclareceu que a mudança terminológica de Outorga para Oferta tem o objetivo de facilitar a interpretação da futura lei e possibilitar uma melhor tradução para outros idiomas.
— A Oferta Permanente ocorrerá por meio de apresentação de proposta por interessados, a qualquer tempo, com sugestão de prisma contendo estudos preliminares com definição locacional, potencial energético e análise prévia do grau de impacto ambiental pertinente, que serão definidos em regulamento. Por sua vez, a Oferta Planejada se refere ao procedimento realizado pelo poder concedente para oferta de prisma pré-delimitados, via procedimento licitatório, conforme planejamento especial a ser realizado pelo órgão competente — disse o relator.
Ainda de acordo com o texto, o regulamento deverá dispor também acerca do procedimento de apresentação de prospectos de prisma por interessados, a qualquer tempo, ou por delimitação do planejamento setorial, e de solicitação da Declaração de Interferência Prévia (DIP).
Após a manifestação de interesse sobre determinado prisma energético, o poder público deverá dar publicidade e realizar abertura de processo de chamada pública, com prazo de 30 dias para identificar a existência de outros interessados. Não havendo demais interessados, o poder público poderá realizar a outorga àquele primeiro agente que iniciou o procedimento, com a manifestação de interesse, por meio de autorização.
— Caso haja mais de um interessado, poderemos buscar a composição entre os interessados ou mesmo redefinir a área do prisma, permanecendo a modalidade de Oferta Permanente, e o que for remanescente, sem possibilidade de acordo ou redefinição, seguirá para Oferta Planejada. Ou seja, se trata de um procedimento dinâmico, que permite acesso aos agentes a áreas com potenciais variados, trazendo vantagens para todos os interessados e à sociedade brasileira — explicou Portinho.
O texto aprovado amplia o rol de critérios para julgamento das propostas para que possam considerar não apenas o maior valor ofertado pelo prisma, mas também quesitos como tarifa de energia elétrica ao consumidor regulado, ou seja, aqueles de todos os rincões do país, o maior valor de participações governamentais, e o maior valor em termos de bônus de assinatura.
Para que o valor do bônus de assinatura possa ser parcelado, de forma a não depreciar demais os ativos a serem ofertados para os interessados, o texto de Portinho determina que metade do valor seja pago no momento da assinatura do termo de outorga e o restante poderá ser quitado parceladamente, nos termos do edital, e de acordo com as etapas de aproveitamento do potencial energético.
Já para evitar o uso especulativo das áreas, o relator propôs que haja a cobrança incremental pela retenção de área, de caráter progressivo, em termos de quilômetros quadrados, enquanto o empreendimento não estiver em operação, como forma de tornar mais oneroso o não desenvolvimento do projeto. Quanto às participações governamentais, o relator determinou que sejam a partir de 1,5% (em vez de 5% da proposta original). No entanto, isso não impede que se alcance percentuais superiores.
O projeto também determina consulta pública envolvendo as comunidades locais e a mitigação de conflitos com a atividade pesqueira e extrativista potencialmente afetadas. Fica vedada a constituição de prisma energético em áreas coincidentes com blocos do setor de petróleo e gás natural e em áreas tombadas como paisagem cultural e natural nos sítios turísticos do país, e é prevista a possibilidade de se realizar atividade econômica de geração de energia offshore pelo operador ou com anuência desse, rotas de navegação e áreas ambientalmente protegidas.
Como ponto positivo do Decreto 10.946, de 2022, o relator aponta a retomada do quesito de desenvolvimento local e regional preferencialmente como objeto de promoção da atividade a ser desenvolvida por empreendimento de geração de energia elétrica offshore. Adicionalmente, a possibilidade de se realizar leilões específicos para contratação de energia elétrica offshore quando indicado pelo planejamento setorial (Empresa de Pesquisa Energética, e Plano Decenal de Expansão de Energia) pode figurar como um indutor para novos empreendimentos. Ainda de acordo com ele, o decreto inova criando a Declaração de Interferência Prévia (DIP), uma espécie de anuência prévia dos órgãos que por ventura tenham interferência em atividades por eles desempenhadas.
Portinho acrescentou que a emissão de DIP pelos órgãos públicos, que porventura tenham atividade por ele regulada afetada pela geração eólica offshore, será feita a partir de um único órgão, de forma centralizada, que deverá ter a anuência daqueles cujas atividades desenvolvidas na mesma área do prisma sejam afetadas. Ou seja, o poder público terá responsabilidade pela celeridade processual necessária para a nova atividade econômica.
Em relação à distribuição das participações governamentais aos estados e municípios, a proposta estabelece que, para o bônus de assinatura, o valor será destinado à União, e para o pagamento pela ocupação ou retenção de área, o valor será destinado ao órgão designado pelo Poder Executivo responsável por regular e fiscalizar os empreendimentos e o aproveitamento do potencial energético offshore.
Para a participação proporcional, o valor será distribuído assim: 50% para a União; 12,5% para os estados e 12,5% para os municípios confrontantes nos quais estão situadas a retro área de conexão ao Sistema Interligado Nacional; 10% para os estados e o Distrito Federal, rateados na proporção do Fundo de Participação dos Estados (FPE); e 10% para os municípios, rateados na proporção do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). O texto de Portinho ainda prevê que sejam destinados 5% da participação proporcional para projetos de desenvolvimento sustentável e econômico destinados as comunidades impactadas nos municípios confrontantes, como colônias de pescadores e ribeirinhos.
Ainda em relação ao bônus, o texto estabelece que a parcela do valor recebido pela União, conforme regulamento, será repassado ao órgão designado pelo Poder Executivo como responsável por regular e fiscalizar os empreendimentos e o aproveitamento do potencial energético offshore.
Em outra frente, a proposta determina que os empreendimentos offshore deverão observar o que está estabelecido na Lei 9.991 investindo 1% da receita operacional líquida em pesquisa e desenvolvimento, voltados para a geração de energia renovável e inovação do setor.
Já em relação às outorgas anteriores à lei que o projeto gerar, por questão de estabilidade regulatória, elas serão válidas em conformidade com os contratos ou atos de outorga, desde que tenham sido precedidas de licitação. O mero pedido de licenciamento ambiental não configura outorga para realização da atividade, e os atos realizados por autoridade que não possuam competência para a realização da outorga não serão convalidados.
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