Vidros quebrados, obras de arte estragadas, móveis danificados e até incêndio. Há um mês, na tarde do dia 8 de janeiro, acontecia a invasão dos prédios dos Três Poderes. Era um domingo. Manifestantes antidemocráticos invadiram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF) para protestar contra a eleição do presidente Lula. No Senado, os atos antidemocráticos foram reprimidos pela Polícia Legislativa da Casa e pela Polícia Militar. Com imagens sendo transmitidas para o Brasil e para o mundo, os golpistas deixaram para trás um rastro de destruição.
Em 30 dias, o trabalho de recuperação do Senado avançou em ritmo acelerado. Vidros trocados, espelhos reinstalados, carpetes substituídos e obras de arte restauradas. Era preciso deixar a Casa em condições para a posse dos 27 novos senadores, em 1º de fevereiro, e para a abertura do Ano Legislativo, no dia 2.
Em entrevista à Agência Senado, o secretário-geral da Mesa, Gustavo Sabóia, declarou que em menos de um mês os estragos foram quase todos recuperados. Na visão do parlamentar, todo ato do Congresso agora será uma demonstração de que as instituições seguem funcionando.
— Esses atos criminosos podem ferir a democracia, mas não vão matar. A grande mensagem que se pode passar é que as instituições seguem funcionando normalmente — ressaltou.
De acordo com o diretor da Secretaria de Infraestrutura do Senado (Seinfra), Nélvio Dal Cortivo, o trabalho de recuperação da parte de engenharia está praticamente completo. Entre as exceções, as pedras de mármore, que demandam um tempo maior para a troca, para garantir textura exatamente igual à da peça original. Segundo o diretor, porém, essa questão já está bem encaminhada. Para Dal Cortivo, recuperar as obras e os prédios é uma forma de mostrar que a democracia existe e deve seguir firme e forte.
— É um simbolismo, sim! A democracia tem que existir sempre, em qualquer situação.
A diretora geral do Senado, Ilana Trombka, classificou as invasões aos prédios dos Três Poderes como uma violência. Para Ilana, é como se o "corpo institucional do Senado” tivesse sido violado. Ela ressaltou que os vândalos atacaram o coração da República, quando depredaram os edifícios do Congresso, do Palácio do Planalto e do STF. Ela disse que ainda sofre com as lembranças, mas apontou que o Senado e as instituições deram uma rápida resposta aos ataques, como forma de mostrar a importância dos papéis institucionais e de reafirmar o compromisso do país com a democracia.
Para Ilana, o primeiro sentimento ao saber da invasão foi o de estar diante de uma situação inesperada. A diretora contou que estava correndo em uma praia de Alagoas no momento do acontecido e admite que nunca pensou que uma invasão como aquela pudesse ocorrer. Diante das informações, Ilana voltou de imediato para Brasília. Quando chegou ao Senado e viu os estragos, disse que só pensava em começar logo os trabalhos de recuperação — que se iniciaram após a perícia policial. Ela fez questão de ressaltar que o Senado espera que os culpados paguem pelos prejuízos ao patrimônio público. Agora, passado um mês da invasão, Ilana avalia como positivo o trabalho de recuperação.
— Administrativamente, nós fomos muitíssimo bem. Hoje, se você caminha pela Casa, não percebe o que ocorreu. Os vândalos fizeram um bom estrago, mas não nos pararam e nem nos pararão. Nunca passou pela cabeça de nenhum senador que aquilo fosse correto e que tivéssemos que sair do nosso papel institucional — comemora Ilana.
O Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis) vai promover nesta quarta-feira (8) um ato para lembrar o primeiro mês da invasão ao prédio do Congresso Nacional. A cerimônia ocorrerá a partir das 14h, instante aproximado do início dos ataques, e vai começar pelo Salão Negro, que une as duas casas do Parlamento, primeiro espaço invadido. Deputados, senadores e servidores do Legislativo estão sendo convidados para o evento.
Os participantes do ato vão descer a rampa do Congresso em direção ao gramado, carregando "destroços cênicos" da depredação dos prédios, que serão utilizados para formar a palavra democracia. O presidente do Sindilegis, Alisson de Souza, disse considerar simbólico realizar o trajeto contrário ao das pessoas que invadiram o Congresso. Em sua visão, é uma forma de mostrar “que com os destroços reconstruiremos, juntos, uma democracia ainda mais sólida”.
Os atos de vandalismo de janeiro impactaram também a rotina de segurança do Senado. Nas cerimônias de posse dos novos senadores e da abertura do ano legislativo, foi providenciado um credenciamento específico de visitantes para os eventos. O coordenador-geral da Polícia Legislativa do Senado, Gilvan Viana, contou que aumentou o número de detectores de metal para utilizar na entrada de servidores no Senado. Antes, apenas visitantes e terceirizados tinham que passar pelos pórticos de segurança.
Gilvan Viana disse que os cursos e os treinamentos com equipamentos realizados pela polícia legislativa se mostraram eficazes no enfrentamento dos invasores. Ele ainda informou que estão sendo realizados estudos para que a segurança no Senado melhore cada vez mais. Segundo o coordenador, o trabalho da polícia legislativa revelou-se essencial para que os estragos não fossem maiores no dia da invasão. Ele lembrou que alguns policiais tiveram ferimentos leves e outros passaram mal, por conta dos gases de efeito moral lançados contra os manifestantes. No entanto, destacou, a ação dos servidores da segurança mostrou-se eficiente diante da situação.
— Estamos fazendo relatórios e outros estudos ainda estão em andamento. Vamos tomar todas as medidas possíveis para que isso não aconteça mais. O Legislativo é uma das bases da democracia, e nossa função é deixar o Parlamento protegido — assinalou Viana.
O advogado-geral do Senado, Thomaz Gomma de Azevedo, informou que a Casa já representou contra 39 pessoas junto à Procuradoria Geral da República (PGR) copm vistas a uma ação penal e de reparação de danos. A expectativa, para os próximos dias, é que mais 23 invasores sejam identificados. Segundo Azevedo, várias imagens estão sendo analisadas, para individualizar as ações dos vândalos. Ele ressaltou que não é fácil, nem rápido, mas que é o caminho que a Casa vai buscar. Para o advogado, os invasores e os financiadores dos atos democráticos poderão responder à Justiça de forma solidária.
— À medida que as provas vêm chegando, a gente já pode buscar uma recuperação de danos — afirmou.
Thomas de Azevedo relatou que, ao pensar no que ocorreu no dia 8 de janeiro, tem dificuldade de entender por que um grupo de pessoas decide invadir um prédio e quebrar tudo. Em sua opinião, é difícil compreender o que se almejava conseguir com esse tipo de ação. Ele disse que não se tratou de uma “simples invasão, mas de um crime maior”. O advogado fez questão de destacar a atuação da polícia legislativa, que evitou que os estragos no Senado tivessem uma dimensão ainda maior.
— A principal expectativa é que não permaneça na sociedade a ideia de que o aconteceu é razoável. [Devemos] sobretudo afirmar as instituições, que são a base da democracia brasileira — declarou Azevedo.
Em entrevista aos veículos de comunicação da Casa, a coordenadora do Museu do Senado, Maria Cristina Monteiro, lembrou que estava em sua residência quando viu as notícias da invasão ao Congresso no dia 8 de janeiro. Ela disse que teve calafrios e que o coração disparou, ao pensar nas obras de decoração do Salão Negro. Para a coordenadora, foi como se fosse uma agressão pessoal, como se tivesse sua própria casa invadida. Maria Cristina relatou que teve um sentimento de tristeza profunda, ao chegar ao museu no dia seguinte. Segundo ela conta, o trabalho de recuperação começou de forma imediata.
Conforme Maria Cristina, quatro quadros não poderão ser recuperados por conta do nível dos estragos e terão de ser repintados. Cadeiras históricas, puxadores especiais (em forma de brasão) e um tapete vermelho já foram restaurados. Um painel de Athos Bulcão será recuperado em parceria com restauradores da Secretaria de Cultura do Distrito Federal. Uma tapeçaria e um quadro, acrescentou a coordenadora, demandam um trabalho próprio de especialistas e ainda não tiveram a recuperação iniciada. Maria Cristina disse que o museu está parcialmente aberto à visitação. Ela ainda contou que a tristeza inicial com a situação vem dando lugar a sentimento de felicidade:
— Um mês depois, eu fico feliz com o número de peças que a gente já conseguiu entregar. Recolocar essas peças em seus locais também é simbólico, como a gente retomar o espaço democrático que foi invadido.
Na semana passada, o Senado voltou a expor o quadro “Trigal na Serra”, de Guido Mondin (1912-2000). A obra, danificada durante o vandalismo do dia 8, retornou à recepção da Presidência da Casa, depois do trabalho do restaurador Nonato Nascimento. Ele se disse emocionado com o trabalho de recuperação do quadro.
— Quando terminei o trabalho de restauração, foi uma alegria no laboratório. Ela ficou linda de novo, está perfeita! — afirmou Nascimento.
Para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a recolocação dessa obra nas paredes da Casa representa a capacidade de recuperação do Senado e da democracia. Ele chamou a atenção para o simbolismo do gesto: “esta obra que foi vilipendiada, danificada, vandalizada, está recuperada, como recuperados estarão os outros espaços do Senado Federal na sua plenitude muito brevemente”.
— É também um símbolo de que a democracia está de pé e de que nós somos capazes de reestabelecer a democracia, apesar do que, em algum momento, quiseram tomá-la de assalto — disse o presidente.
Nélvio Dal Cortivo informou que as obras de recuperação na parte de engenharia devem ficar em torno de R$ 1 milhão. Essa estimativa, destacou o diretor, não inclui equipamentos de segurança e obras de arte, ficando restrita à parte de engenharia, como carpetes e vidros. O reparo das obras de arte do acervo histórico deve demandar até R$ 1,7 milhão. Inicialmente, a gestão do acervo identificou 14 obras danificadas. Esse número chegou a 21 no último levantamento. A previsão da diretora geral do Senado, Ilana Trombka, é que o custo total das obras de recuperação deve ficar entre R$ 3 e R$ 4 milhões.
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