Em sessão remota nesta quarta-feira (24), senadores apontaram a responsabilidade do Itamaraty pelo atraso no acesso a vacinas e insumos vindos de outros países para o Brasil. Eles cobraram do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, gestões diplomáticas para acelerar a obtenção de imunizantes contra a covid-19 e pediram a renúncia do ministro.
Autor do requerimento para a sessão, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) apontou diversas falhas na condução da política externa durante a pandemia, com declarações ofensivas contra outros países por parte de integrantes do governo. Ele questionou o ministro sobre o motivo de descumprir seu papel constitucional e atuar contra interesses do Brasil “com viés ideológico e contrário às recomendações diplomáticas e da ciência”.
— Perdoem-me por ter sido, talvez, contaminado com a emoção, mas quando se fala de vida, estou falando de história, de relações, de famílias dilaceradas pela covid-19, mas que tem a digital inegável do presidente da República, do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Saúde — lamentou o senador.
A presidente da Comissão de Relações Exteriores (CRE), senadora Kátia Abreu (PDT-TO), classificou o quadro diplomático como “desastroso”. Ela apontou recorrentes problemas com parceiros comerciais relevantes do país, como China e Estados Unidos, e tratamento descortês com o presidente da Organização Mundial de Saúde (OMS), que estaria impedindo o acesso do Brasil um excedente de vacinas controlado pela organização.
— Esse é o meu questionamento: o senhor se sente à vontade para ter sucesso nessa empreitada, que é a maior que nós temos hoje? Nós precisamos vacinar um terço da população, nós precisamos vacinar 70 milhões de brasileiros para conter a desgraça que estamos vivendo. Nós teremos essa vacina, senhor chanceler? — questionou a senadora.
Em resposta aos senadores, o chanceler negou ter hostilizado representantes de outros países e afirmou que o Brasil não tem problemas diplomáticos que estejam dificultando a obtenção de imunizantes. Ele destacou conversas com Estados Unidos, Reino Unido e Índia para a aquisição de diferentes vacinas.
Segundo o ministro, somente a partir da estratégia traçada pelo Ministério da Saúde, o Itamaraty entra para participar das negociações internacionais. Ernesto Araújo disse que nenhuma questão política está impedindo a importação de vacinas e de insumos.
— Vossas Excelências estão alegando que há uma deficiência no trabalho do Itamaraty na questão das vacinas, isso é absolutamente improcedente. Tenho aqui todos os elementos para mostrar que nós temos conseguido obter tudo aquilo que está dentro da estratégia do plano de vacinação brasileiro. Como eu digo, novamente reitero, nós somos um braço de relacionamento externo desse programa de vacinação. O Itamaraty não define o programa de vacinação, o Itamaraty não define as vacinas a serem compradas — disse o ministro.
Ao abrir a sessão, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, afirmou que a Casa não poderia se furtar de discutir temas como o posicionamento do Brasil em fóruns internacionais, inclusive na questão das patentes.
— Todos sabemos que essa tem sido uma das mais relevantes questões nas negociações multilaterais no que concerne à pandemia — lembrou
O ministro foi questionado por senadores sobre a posição contrária do Itamaraty à quebra de patentes das vacinas apoiada por outros países emergentes, como a Índia e a África do Sul. Os defensores da medida alegam que, com as patentes suspensas temporariamente, os imunizantes seriam produzidos em sua versão genérica em larga escala, possibilitando o acesso de maneira mais rápida e com custo menor para os governos.
Zenaide Maia (Pros-RN) e Paulo Paim (PT-RS) defenderam a suspensão da propriedade intelectual como forma de produzir vacinas em número suficiente para ajudar a diminuir a crise humanitária em todo o mundo. Para Paim, há um “apartheid de vacinas” no mundo.
— Enquanto falamos, o povo está morrendo. Sabemos que a vacinação para todos é a única solução na guerra contra o vírus, cada vez mais letal. Há quase 130 países, onde vivem em torno de 2,5 bilhões de pessoas, praticamente nenhuma vacina chegou. Essa é uma pandemia global. Precisamos de uma resposta global, que inclua a vacinação em todo o planeta — alertou Paim.
Em resposta aos senadores, o ministro afirmou não ter nada contra a proposta de quebra feita pela Índia, mas disse acreditar que a medida não é necessária porque o sistema de propriedade intelectual tem flexibilidade e já permite a quebra de patentes para a produção local. Ele disse, ainda, que o Brasil não teria condições de produzir algumas das vacinas.
— A nossa ideia é a de que isso não resolveria, necessariamente, o problema agora e poderia criar problemas depois, para a pesquisa e desenvolvimento de novas vacinas que virão a ser necessárias para novas variantes ou para outras pandemias no futuro — disse o chanceler. Ele afirmou estar disposto a trabalhar junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) em defesa do que chamou de uma “terceira via” na questão das patentes.
Os senadores Daniella Ribeiro (PP-PB) e Marcelo Castro (MDB-PI), ex-ministro da Saúde, questionaram Ernesto Araújo sobre a ida de uma comitiva brasileira chefiada por ele a Israel. O objetivo era fazer um acordo sobre o spray nasal EXO-CD24, ainda sem eficácia comprovada. De acordo com a senadora, o acordo assinado pelo ministro obriga o Brasil a testar o medicamento.
— Esse documento está classificado como reservado, mas o Senado tem condições de solicitar. O documento obriga que os brasileiros sejam testados sem que haja, por parte da 'Anvisa de Israel', nenhuma certificação de que esse medicamento tenha comprovação científica — acusou a senadora.
Também ex-ministro da Saúde, o senador Humberto Costa (PT-PE) citou a denúncia de que o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, teria feito pressão para que o Brasil não comprasse a vacina Sputnik V, da Rússia. O ministro disse não ter conhecimento desse fato.
Vários senadores se disseram insatisfeitos com as respostas do ministro. Alguns deles se dirigiram ao chanceler pedindo que ele renuncie ao cargo. Foi o caso Tasso Jereissati, que classificou o chanceler de "dificultador" da relação do Brasil com outros países e fez um apelo para que ele se afaste.
— Esse momento seu é ruim para o país. Em nome do país e desses que podem morrer daqui para lá, renuncie e bote um diplomata — peça ao seu amigo presidente — que tenha acesso fácil, que tenham uma visão difícil, que tem amizades até em todas essas instâncias internacionais.
A senadora Simone Tebet, por sua vez, disse que o gesto da exoneração do ministro seria uma redenção do Brasil perante a China e os Estados Unidos, o que facilitaria a obtenção de vacinas desses dois países.
Jorge Kajuru (Cidadania-GO), Rose de Freitas (MDB-ES) e Mara Gabrilli (PSDB-SP) pediram consciência por parte de Ernesto Araújo da importância do cargo que ocupa. Para eles, a questão não é pessoal e o ministro precisa pensar nas vidas que estão sendo perdidas.
— Por favor, chanceler, ponha a cabeça no travesseiro, pense com consciência, se não valeria a pena o senhor abrir mão desse cargo. (...) Eu tenho certeza de que agora, para o Brasil, é melhor sem o senhor. Peça para sair e durma com a consciência tranquila, que o senhor vai ajudar a salvar vidas — pediu Mara Gabrilli.
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