Após consenso entre os senadores, a CPI da Pandemia terá duas reuniões para debate do tratamento contra a covid-19 com medicamentos como cloroquina e hidroxicloroquina. Para isso, foram aprovados nesta quarta-feira (26) uma série de convites que atendem a uma extensa lista de médicos, biólogos e outros especialistas na área. Assim, os parlamentares querem ouvir quatro especialistas, sendo dois a favor, como defendem os governistas, e dois contra o uso desses medicamentos, desaconselhado pela Organização Mundial de Saúde, pela Disease Control and Prevention (CDC), dos Estados Unidos, e outras instituições de pesquisa e de saúde.
O tema tem sido bastante discutido durante os testemunhos prestados à CPI, pois dois dos ex-ministros da Saúde que deixaram o governo Bolsonaro — Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich — listaram entre as causas de suas saídas a pressão pela adoção do chamado "tratamento precoce" como política pública de saúde. O outro ex-ministro, Eduardo Pazuello, e o atual ministro, Marcelo Queiroga, negaram que o governo tenha promovido a distribuição de cloroquina para o combate à pandemia de covid-19. Outra depoente, a médica Mayra Pinheiro, secretária do Ministério da Saúde, promove o "tratamento precoce" e o defendeu nesta terça (25) na CPI, mas negou que o governo o tenha adotado como forma de implementar a chamada "imunidade de rebanho". A médica esteve em Manaus em janeiro deste ano, pouco antes do colapso na saúde do estado, no qual também promoveu o "tratamento precoce".
Durante o depoimento de Mayra Pinheiro, o senador Otto Alencar (PSD-BA) garantiu, com base em análise científica, que não há estudos no mundo que mostrem que os antiparasitários cloroquina e hidroxicloroquina tenham ação antiviral.
— Minha discordância aqui nunca foi política, mas científica, não tem nenhum antiviral que possa controlar a doença. Não podemos levantar a bandeira. Isso não é sério, não é honesto, não é direito. É uma medicação velha, usada numa doença nova que não se conhece — disse Otto.
Segundo o senador Marcos Rogério (DEM-RO), há estados seguindo hoje o protocolo de "tratamento precoce" com adoção de cloroquina, caso dos estados de Alagoas, Bahia, São Paulo, Amapá.
— O que mata mais é o atendimento precoce, com os medicamentos disponíveis receitado pelos médicos, ou é a negação do atendimento? O doente deve procurar ajuda só quando não tiver mais jeito? — questionou Marcos Rogério.
Questionada nesta terça pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), Mayra Pinheiro não mencionou em que estudos se embasa para promover o "tratamento precoce". O senador salientou que as maiores instituições científicas e médicas de todo o mundo negam que a cloroquina teria efeito contra a covid-19:
— Pedi ajuda ao Dr. Paulo Ricardo Martins Filho, da Universidade Federal de Sergipe, que é mestre e doutor em Ciências da Saúde especializado na questão de epidemiologia. Ele coordena a disciplina de Revisão Sistemática e Meta-Análise. O Prof. Paulo me encaminhou aqui a análise de 2.871 estudos nas bases disponíveis pelo mundo — PubMed, Embase, todas elas —, e estabeleceu os critérios de filtro para tentar encontrar ensaios que fossem qualificados como de excelência. (...) Desses 2.871 estudos que ele analisou nessas bases todas, internacionais e nacionais, foram encontrados 14 estudos com essas características, as características de excelência [randomizados e com "duplo-cego"] na qualidade como evidência. Desses, absolutamente nenhum indica benefício no uso de medicamentos como a hidroxicloroquina — disse Alessandro Vieira, observando que o uso de medicamentos off-label não poderiam orientar toda a política pública de saúde e o atendimento através do SUS.
A médica reconheceu não existirem estudos de primeira linha para comprovar o uso dos medicamentos que tem promovido.
— Nós não temos ainda estudos atualmente no topo da pirâmide. Nós estamos diante de uma pandemia — afirmou Mayra Pinheiro, argumentando que os estudos são demorados.
Defensor do "tratamento precoce" na CPI, o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) elogiou o depoimento de Mayra Pinheiro. Ele chegou a acusar os grandes fabricantes de vacinas de financiar um dos estudos contrários ao uso do medicamento.
Na lista de convidados está o médico Dráuzio Varella. No requerimento, o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), alega que o convidado conhece a situação brasileira e as políticas públicas que deveriam ter sido tomadas no enfrentamento à crise pandêmica.
Também estão sendo convidados os biólogos e pesquisadores Átila Iamarino e Natália Pasternak. O senador Alessandro Vieira pediu a realização de uma audiência pública com a participação de Iamarino. “A realização de audiência pública no âmbito de uma CPI é instrumento importantíssimo para que as discussões se desenvolvam com o amparo de reconhecidos especialistas em cada tema. Átila Iamarino, doutor em virologia, pode fornecer notável contribuição técnica para a formação do convencimento dos parlamentares”, afirma o senador.
Microbiologista e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), Natalia Pasternak está sendo convidada a partir dos requerimentos dos senadores Marcos do Val (Podemos-ES), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Humberto Costa (PT-PE) e Renan Calheiros “Natalia Pasternak Taschner fundou e se tornou a primeira presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), organização focada na defesa de evidências científicas utilizadas em políticas públicas”, diz Marcos do Val.
Estão sendo convidados também os médicos Gonzalo Vecina Neto, Francisco Eduardo Cardoso Alves, Paulo Márcio Porto de Melo, Cláudio Maierovitch, Zeliete Zambom, Adriano Massuda, Pedro Hallal, Gulnar Azevedo e Silva, César Victora e Cristiana Maria Toscano. Entre os médicos está o ex-ministro da Saúde e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), José Gomes Temporão. Os requerimentos de convite para sua participação partiram dos senadores Renan, Humberto e Otto.
Compõem a lista ainda o professor de infectologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Clovis Arns da Cunha; a cientista e professora da Universidade de Harvard, Márcia Castro; a professora da USP Deisy Ventura e a pesquisadora da Fiocruz Maria Helena Machado.
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