Incentivo à agricultura sustentável, diversificação na produção de alimentos, apoio a pequenos agricultores, mais informações sobre uso de recursos agronaturais, solução de entraves à aprovação de biodenfensivos, aumento do desmatamento e redução de recursos destinados à pesquisa. Esses são temas questionados pelos internautas que participaram de audiência pública da Comissão Senado do Futuro (CSF) nesta sexta-feira (11) e que se interconectaram com as preocupações dos senadores e convidados do colegiado.
Realizada a partir do requerimento do presidente da CSF, senador Izalci Lucas (PSDB-SF), que identifica a produção agrícola como “primordial para prover condições dignas de vida para a população mundial, com disponibilidade de alimentos para todos e preservação do ambiente”, a audiência apontou para a necessidade de elaboração de políticas públicas que corrijam as atuais imperfeições do mercado, com mais recursos aos pequenos agricultores e às pesquisas.
— Colocamos a CSF à disposição no sentido de construir políticas públicas de Estado. É uma luta muito difícil. Hoje temos 90% de contingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). A Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] também está sempre com o pires na mão. Não basta ter recursos de vez em quando, temos de ter regularidade — afirmou o senador.
Ex-ministro da Agricultura (1974-1979), presidente executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho) e indicado ao Prêmio Nobel da Paz 2021, Allysson Paulinelli também se mostrou preocupado com o contingenciamento de recursos destinados à ciência, o que chamou de “um dos maiores riscos”.
— É necessária uma política pública adequada que dê acesso aos recursos ao pequeno, médio e grande produtor. Mas não vamos resolver o problema do pequeno enquanto se entrega para ele o crédito comandado pelos bancos. Há 4,5 milhões de propriedades que não conseguem usar as tecnologias que criamos — expôs Paulinelli.
O ex-ministro alerta para o fato de que o mundo está mudando seu hábito alimentar, o que sinaliza “uma janela nova que se abre” para o mercado nacional, já que o Brasil teria condições de responder a boa parte da demanda mundial por alimentos, cada vez mais exponenciais diante do crescimento populacional.
— As tecnologias hoje ofertadas à área agropecuária atendem perfeitamente a demanda de produção sem que seja preciso desmatar um hectare a mais. Temos de reconhecer que somos o país mais rico em biologia no mundo, grande repositório dos recursos naturais. Não podemos perder de vistas as mudanças que são necessárias, como a atual dependência de produtos químicos.
Presidente do Comitê Gestor de Pesquisa em Energia, Química e Tecnologia de Biomassa da Embrapa Agroenergia e membro do Grupo Assessor ao Diretor-Geral da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), o pesquisador Maurício Antônio Lopes aponta que, por ser um dos grandes responsáveis pela alimentação global, o Brasil precisa pensar na trajetória que irá seguir na próxima década e até 2050.
— Que futuro podemos antecipar para a produção agrícola no mundo? O Brasil tem a maior parte do território nessa região tropical, que concentra desafios e possibilidades. Países com maior diversidade biológica do planeta precisam saber como usar seus biomas e também conservar — apontou o pesquisador.
Enquanto nas décadas de 70/80 a grande desafio era a expansão do campo para alcançar a eficiência alimentar, hoje vive-se o momento em que a temática do desenvolvimento sustentável ganhou relevância, segundo Lopes, em um processo de reconciliação entre os sistemas humano e naturais.
— Temos de ser prudentes para colocar esses sistemas em sintonia.
Lopes lembrou que a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável da ONU é materializada em um plano de ação global com 17 objetivos, em que todos os itens possuem conexões com a agricultura e os sistemas.
Água, energia, alimento e clima estão interconectados e dão visibilidade a uma crescente atenção aos nexos, segundo o pesquisador, a partir de uma abordagem mais inteligente para os problemas contemporâneos, com o olhar para o conjunto.
— Quase 80% das pessoas pobres vivem em áreas rurais. A boa saúde depende de boa nutrição. A agricultura moderna é dependente de energia fóssil, precisamos descarbonizá-la, precisamos de consumo e produções responsáveis, já que hoje um terço dos alimentos são desperdiçados no mundo, precisamos combater as alterações climáticas. Os alvos pretendidos se complementam e se reforçam, para evitar que um prejudique o outro.
Nessa linha, o Brasil está criando um novo nexo a partir da lavoura-pecuária-floresta. Lopes ratifica que a agricultura do futuro precisará mimetizar a natureza e superar os passivos que as atividades isoladas produziram.
— O Brasil tem avançado muito, e temos de reconhecer os méritos do Parlamento brasileiro. Estamos entrando na liderança da intensificação sustentável da agropecuária, com sistemas integrados cada vez ganhando mais espaços.
Com novas métricas sendo desenvolvidas, aparecem conceitos como o ESC (Environment-Social-Governance), desenvolvido na Europa, ou de Avaliação do Ciclo de Vida, ferramenta que possibilita avaliar o impacto ambiental associados a um produto durante sua existência.
Assim como Paulinelli, Lopes salienta que o mundo vive uma transição nutricional, com vegetarianismo, veganismo e flexitarianismo e com a crescente demanda por alimentos culturalmente mais diversos.
Ele sinaliza uma nova economia emergindo, baseada em sistemas biológicos, renováveis e recicláveis. Tudo amparado na ciência, que tem em seu radar possibilidades e transformações radicais como fazendas verticais e a edição de genomas, que poderão ser editados e modelados para maior produtividade nesses ambientes.
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