O Brasil tem atualmente cerca de 125 mil pessoas condenadas em regime fechado ou semiaberto que estudam e podem reduzir suas penas com a frequência em cursos, segundo dados do governo federal. No total, o país tem aproximadamente 760 mil pessoas presas em mais de 1,4 mil unidades prisionais — 66% dos presídios têm pelo menos uma sala de aula e 57%, uma biblioteca.
A possibilidade da remição da pena pelo estudo foi instituída pela Lei 12.433, de 2011, que está completando dez anos de vigência. Sancionada em 29 de junho daquele ano pela então presidente da República Dilma Rousseff, a lei foi publicada no Diário Oficial da União no dia seguinte.
A norma alterou a Lei de Execução Penal (LEP) para acrescentar que a redução da pena dos presos pode se dar, também, pelo estudo. Até 2011, a LEP (Lei 7.210, de 1984) previa apenas a remição pelo trabalho. O benefício da remição pelo estudo autoriza a redução de um dia da pena a cada 12 horas de estudo, distribuídas em três dias, em atividades de ensino fundamental, médio, profissionalizante, superior ou ainda de requalificação profissional.
Dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (janeiro a junho de 2020) e de nota técnica da Coordenação de Educação, Cultura e Esporte (maio de 2020) do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) mostram que o sistema tem capacidade atual para atender pelo menos 147 mil presos em atividades educacionais, se usados três turnos diários.
Dos atuais 125 mil que estudam, 79 mil estão cursando educação básica na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA) e educação profissional (cursos técnicos ou de formação inicial e continuada). São 26,8 mil os condenados envolvidos em projetos de leitura e 17,7 mil, em atividades educacionais complementares (videoteca, lazer, cultura etc) e 433 pessoas em atividades esportivas relacionadas ao processo educacional. A maioria dos internos (82%, segundo dados de 2016) leem mais de dez livros por ano.
A Lei da Remição pelo Estudo teve origem em projeto de lei (PLS 265/2006) do então senador Cristovam Buarque, aprovado pelo Senado em junho de 2011. Ela determina que os condenados criminalmente em todo o Brasil têm o direito de descontar um dia de pena para cada 12 horas de frequência escolar.
De acordo com a lei, a remição de pena pode acontecer com atividades de estudo presenciais ou na modalidade de ensino a distância.
Além do desconto de um dia de pena para cada 12 horas de estudo, o condenado tem direito a acréscimo de um terço no total se concluir o ensino fundamental, médio ou superior durante o período de cumprimento da pena. Quem é autorizado a estudar fora do estabelecimento penal tem que comprovar mensalmente a frequência e o aproveitamento escolar por meio de declaração da unidade de ensino.
A remição tem de ser declarada pelo juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa, e o condenado tem direito a receber uma relação com os dias descontados. O tempo remido é computado como pena cumprida para todos os efeitos legais.
Ainda de acordo com a lei, os condenados podem somar o tempo descontado por estudo àquele decorrente de trabalho. Se o preso fica impossibilitado de estudar ou trabalhar em virtude de acidente, continua a contagem de tempo, para fins de remição. Por outro lado, o juiz pode revogar até um terço do tempo de remição em caso de falta grave.
As informações públicas do Depen, órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, mostram também que houve evolução considerável no número e do percentual de pessoas envolvidas em atividades educacionais no sistema prisional brasileiro nos últimos anos. São Paulo, Pernambuco e Santa Catarina são os estados com maior número de condenados envolvidos em atividades educacionais.
Houve um incremento no quantitativo de pessoas presas em atividades educacionais de 276% entre 2012 e 2019, saindo de cerca de 47 mil para 124 mil, e praticamente dobrando o percentual de pessoas envolvidas nessas atividades, segundo o documento.
“Ressalta-se que os dados indicam a imprescindibilidade do fortalecimento da política de educação para o sistema prisional, bem como da importância dos investimentos em ações de fomento à educação, buscando a eficiente e eficaz reintegração da pessoa que encontra-se privada de liberdade”, diz a nota técnica. Ganhos pedagógicos, cognitivos e nos processos educacionais são comprovadamente essenciais “para a formação e encaminhamento de qualquer ser humano”, conclui.
Recentemente, o Senado aprovou projeto de lei que altera a lei da remição para permitir a redução de penas também com cursos não formais. O PL 4.725/2020 é de autoria do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), atual presidente do Senado. Os senadores já aprovaram a proposta, com 70 votos a favor e 3 contrários, em 12 de maio. A matéria foi remetida para votação da Câmara dos Deputados poucos dias depois.
Atualmente, o projeto foi apensado ao PL 7.791/2010, do então senador Demóstenes Torres, que trata da assistência educacional devida aos presos. Os deputados devem votar a questão nas próximas semanas, pois ambas as propostas tramitam com prioridade.
O PL 4.725/2020 permite a redução de pena pela frequência em cursos que ajudem na reinserção social do presidiário. Segundo Pacheco, outras atividades educacionais, que vão além da educação formal, também podem contribuir para que o condenado possa voltar a fazer parte da sociedade. O projeto prevê que os cursos tenham natureza científica e certificação das autoridades competentes.
A legislação aplicada para redução de pena será a mesma da prevista para os cursos da educação formal. Na justificação de seu projeto, Pacheco argumenta que outras atividades educacionais podem contribuir para que o condenado possa voltar a fazer parte da sociedade, como os cursos de inteligência emocional: “Ademais, além do ganho em conhecimento, a participação em cursos educacionais retira o preso da ociosidade, bem como o afasta do cometimento de crimes e infrações disciplinares dentro do estabelecimento prisional”, explica o senador.
Pacheco afirma que "ampliar os cursos que permitam a remição da pena é medida bastante promissora. A amplitude dos assuntos a serem abordados é imensa. Temas como tolerância, respeito ao próximo e às diferenças, relações sociais e controle emocional são alguns deles”.
O projeto foi aprovado na forma do relatório do senador Paulo Paim (PT-RS). Na opinião dele, é preciso combater o entendimento de que a educação se resume ao ensino formal: "Há muito tempo os especialistas na pedagogia reconhecem o ensino não formal como parte importante do aprendizado que, ouso dizer, na educação de adultos privados de liberdade possui ainda maior expressão”, apoia Paim no relatório.
Das quatro emendas apresentadas, o relator acolheu duas — da senadora Rose de Freitas (MDB-ES) e do senador Luiz do Carmo (MDB-GO) — na forma de subemenda que estabelece que "o curso de desenvolvimento pessoal, devidamente certificado, deverá contribuir para a ressocialização do condenado, versando, preferencialmente, sobre temas que previnam a reincidência específica no crime praticado, voltados para ética e a moral e os relativos à garantia e promoção dos direitos humanos, direitos da mulher, proteção à família, proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiências e de proteção à infância, à juventude e aos idosos, nos termos do regulamento da autoridade federal ou estadual competente”.
Caso seja aprovado pelos deputados sem modificações, o PL 4.725/2020 seguirá direto para sanção.
Em vários presídios e penitenciárias do Brasil há também a possibilidade de o condenado diminuir sua pena com a leitura de livros por meio de programas estaduais, mas essas ações não são previstas na LEP.
Em 2019, o senador Jorge Kajuru (Podemos-GO), apresentou o PL 4.988/2019, que permite a remição de parte do tempo de execução da pena mediante a participação voluntária do preso em projeto de leitura com apresentação de resenha sobre o livro lido. Esse projeto ainda não tem relator.
A proposta de Kajuru altera a LEP para acrescentar que o condenado pode remir quatro dias do tempo da execução da pena para cada livro lido e resenhado.
A remição pela leitura terá de ser vinculada a projeto específico de leitura, constituído pela autoridade penitenciária e aprovado pelo juízo da execução, “com critérios objetivos para seleção de livros e elegibilidade de presos e a previsão das datas periódicas de avaliação”. O condenado não poderá ser obrigado a participar.
A apresentação da resenha sobre cada livro lido poderá ser oral ou escrita. A resenha será analisada por comissão avaliadora, que enviará o resultado da avaliação ao juiz de execução penal, no prazo de até dez dias após a data de análise, para que o juiz decida sobre o aproveitamento para fins de remição.
Ainda de acordo com o projeto, o diretor do estabelecimento penal terá de encaminhar relatório mensal ao juiz com a identificação e quantidade de presos participantes do projeto, assim como as leituras de cada um deles.
Kajuru afirma que, em 2013, a remição pela leitura foi recomendada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a todos os tribunais. Ele diz que sua proposta foi inspirada em projeto anterior do ex-senador Cristovam Buarque.
“Este projeto busca dar força de lei a essa iniciativa tão importante para a ressocialização. Enquanto preso, a pessoa tem seu capital humano depreciado. O incentivo à leitura é estratégia importante para compensar essa perda e preparar a pessoa para o retorno ao mercado, o que ajudará a reduzir a reincidência criminosa. Este projeto se inspira no PLS 208/2017, do então senador Cristovam Buarque. Estamos convencidos de que se trata de aperfeiçoamento justo e necessário de nossa lei de execução penal”, afirma Kajuru na justificativa.
Em 4 de maio deste ano, o Conselho Nacional de Justiça aprovou nova resolução com regras nacionais para que juízes calculem quantos dias um preso pode reduzir da sua pena por meio do estudo ou da leitura.
A regulamentação atende uma determinação do STF que, ao conceder em março habeas corpus a uma presa de Santa Catarina aprovada no Exame Nacional de Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), reconheceu o direito à remição por leitura, e incumbiu o CNJ de regulamentar o tema.
De acordo com o CNJ, serão consideradas para o cálculo da remição três tipos de atividades educacionais realizadas durante o período de encarceramento: educação regular (quando ocorre em escolas prisionais), práticas educativas não-escolares e leitura. Para fazer jus à antecipação da liberdade, a pessoa condenada terá de cumprir uma série de critérios estabelecidos pela norma do CNJ para cada uma das três modalidades de estudo.
O CNJ informa também que, atualmente, pelo menos 327 mil presos não completaram os nove anos do ensino fundamental e 20 mil são considerados analfabetos.
De acordo com a resolução do CNJ, em relação à leitura, a pessoa presa que quiser diminuir seu tempo de pena a cumprir poderá ler qualquer livro de literatura emprestado de biblioteca prisional, por exemplo. Ela deverá apresentar um relatório de leitura que será remetido à Vara de Execuções Penais. Cada obra lida, após o reconhecimento da Justiça, reduzirá em quatro dias a pena da pessoa presa. A resolução do CNJ estabelece o limite de 12 livros lidos por ano e, portanto, 48 dias remidos como teto anual dessa modalidade de remição.
Também de autoria de Jorge Kajuru é o PL 227/2021, que inclui o estudo como requisito para que presos tenham acesso à progressão do regime da pena. Hoje, a LEP prevê apenas o trabalho e o bom comportamento como critérios para a concessão do benefício. Durante as votações do Plenário na quarta-feira (23), Kajuru pediu apoio à proposta e indicação de relator.
— Sempre critiquei o tempo de encarceramento como único fator para a progressão de regime. Por isso, em 4 de fevereiro, protocolei o projeto que altera regras e condiciona a progressão do regime ao trabalho e estudo cumulativo, com o objetivo de comprovar que o reeducando está pronto para a sua reinserção social. O projeto disciplina ainda que perde o direito à progressão e retorna ao regime anterior o preso que interromper sem motivo justo os estudos ou o trabalho. Temos de ser mais rigorosos na progressão de regime, autorizando-a apenas para sentenciados que mereçam voltar a viver em sociedade — disse Kajuru.
O projeto mantém os mesmos requisitos de cumprimento da pena para possibilitar a progressão, que permite ao detento passar do regime fechado para o semiaberto ou aberto. Mas o texto determina que o benefício só poderá ser concedido a quem “ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento” e estiver trabalhando e/ou estudando, ou possa comprovar a possibilidade de fazê-lo imediatamente.
De acordo com a proposta, o juiz pode estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto para os presos que precisam sair para estudar. A legislação em vigor já admite essa possibilidade para condenados que saem para trabalhar em horários previamente fixados.
O projeto prevê uma exceção. Para a concessão do regime aberto em residência particular, não será exigido o requisito de estudo quando o condenado for maior de 70 anos, for acometido de doença grave, gestante ou detenta com filho menor de 18 anos ou com deficiência física ou mental.
O PL 227/2021 prevê a possibilidade de regressão de regime, caso o preso interrompa o estudo ou o trabalho. Para não perder o benefício, o condenado deve “apresentar motivo legítimo” ao juiz da Vara de Execuções Penais e ao Ministério Público.
“São atividades que estimulam a reflexão sobre princípios, valores, pensamentos e atitudes. Mesmo que não se perceba a mudança, elas contribuem inconscientemente para o crescimento e desenvolvimento pessoal do ser humano. Pretendemos fazer com que esse benefício somente seja possibilitado àqueles condenados que verdadeiramente estejam dispostos a contribuir para a sua ressocialização”, afirma Kajuru na justificativa do projeto.
Já o PL 3.028/2019, do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), propõe dobrar os parâmetros para cálculo da remição por trabalho e por estudo. O projeto, que também está aguardando designação de relator no Senado, determina que o condenado poderá diminuir 1 dia de pena para cada 24 horas de frequência escolar (atualmente bastam 12h), divididas em 6 dias; e também diminuir 1 dia de pena para cada 6 dias de trabalho (3 dias atualmente).
Contarato afirma na justificativa que apresentou a proposta depois de constatar que criminosos presos por homicídio podem ficar menos de um ano em regime fechado se conseguem acumular tipos diferentes de remição e progressão de pena.
“Não acredito que devemos revogar o instituto, haja vista que o trabalho e o estudo são as únicas vias possíveis para a recuperação do indivíduo que está segregado. Não se deve perder de vista que o recluso um dia sairá e precisará ter encontrado no cárcere ferramentas para construir uma nova vida digna e distanciada dos caminhos do crime, um dos objetivos da pena é a readaptação ao convívio sócio familiar. Como meio de manter um benefício que propicia melhores condições de ressocialização e como uma forma de estabelecer um critério mais rígido que irá aproximar a pena efetivamente cumprida daquela constante da condenação, entendo por razoável estabelecer o critério de remição de 1 dia de pena por 6 dias trabalhados e 1 dia de pena por 24 horas de estudo. Observe-se que tais requisitos temporais respeitam a razoabilidade e não impedem a eficácia prática do instituto. Além disso, aproximam-se da realidade de quase todos os trabalhadores deste país, que têm direito a apenas um dia de descanso semanal”, argumenta Contarato na justificativa de seu projeto.
(Com Agência CNJ de Notícias)
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