“Nunca pensei que fosse mudar em um curso de fotografia”. É assim que Sérgio Teixeira*, um rapaz de 19 anos, resume longa conversa sobre o aprendizado das aulas práticas de fotografia. Ele é aluno do mais recente curso oferecido aos adolescentes em cumprimento de medidas de internação no Centro Socioeducativo de Sete Lagoas, na região Central do estado.
No curso, aprende conceitos de composição como luz, sombra, cor e perspectiva e passa a conhecer referências apresentadas em filmes, documentários, livros e revistas.
O curso faz parte do Projeto Retratar, que teve início em setembro de 2020 e até o mês de junho certificou 12 alunos, em duas turmas de iniciantes.
Os principais objetivos do projeto são estimular o ver e o sentir, além de apresentar a arte fotográfica, a estética e a narrativa.
A professora e fotógrafa Renata Ataide explica que as aulas são muito mais do que uma possibilidade de trabalho futuro. “Proporciona a transformação pessoal e uma nova perspectiva de ver e perceber o mundo. Buscamos juntos o sentimento e a fotografia como voz e, especialmente, o autoconhecimento”, detalha. A professora trabalha como voluntária e conta com o apoio de mais colegas fotógrafos nas aulas práticas.
Módulos
A proposta é que o curso seja uma atividade constante, portanto, alunos da turma de iniciantes já estão no módulo avançado do projeto.
Nesta segunda-feira, 12/7, começam duas turmas de iniciantes, com cinco adolescentes em cada uma. Cada módulo tem 24 horas/aula distribuídas em três meses. Os adolescentes certificados no módulo iniciante podem seguir para o módulo avançado e permanecem no projeto até serem desligados da medida socioeducativa.
O projeto conta com quatro câmeras próprias e uma emprestada. As aulas práticas são realizadas em área ao ar livre do Centro Socioeducativo de Sete Lagoas. Lá, o grupo fotografa pássaros, árvores, nuvens e flores. Há também fotos de grades, muros e concertinas — espécie de arame farpado em formato espiral.
Os alunos conseguem transportar os princípios da fotografia para a própria vida, desta forma, se comunicam e refletem. “Ao fotografar, os jovens fazem suas escolhas, enquadramentos e revelam-se perceptivos, sintonizados e muito atentos”, observa com orgulho Renata Ataide.
Descobertas
As aulas despertaram no jovem Sérgio Teixeira* o sonho de trabalhar com fotojornalismo. “Durante o curso, vimos vários trabalhos de grandes fotógrafos do jornalismo. Me chamou a atenção a imagem de um policial atirando e com um escudo na mão, em uma manifestação. Quero fazer fotos como essa, que contem histórias”, planeja.
Enquanto cumpre a medida socioeducativa, ele vai expressando seus sentimentos, junto aos amigos. Em uma das aulas, fotografou com mais dois alunos suas mãos e braços tatuados, apoiados em uma cerca de arame. É uma expressiva necessidade de libertação, “uma enorme vontade de ir embora”, explica.
Para o diretor-geral do Centro Socioeducativo de Sete Lagoas, Pedro Ruano, o curso tem um importante diferencial em relação a outras atividades. “Possibilita uma visão de mundo através das lentes. É algo novo para a maioria deles e os torna mais sensíveis ao ambiente. Percebemos mudanças positivas bem significativas no comportamento dos jovens”.
Walter Salgado*, 17 anos, outro aluno do curso, descobriu a beleza dos canários, pássaros pretos e papagaios que vivem nas árvores do centro socioeducativo. “Passei a ver tudo com olhar de fotógrafo. Sombras, pequenos detalhes, expressões de rostos. Foto é sentimento”, diz. “Quando voltar para casa vou fazer também boas fotos da minha família. Vou reunir meu pai, minha mãe, meu irmão e sobrinhos”.
* Nomes fictícios para preservar a identidade dos adolescentes, conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
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