Participantes da sessão de debates realizada nesta sexta-feira (16) no Senado alertaram para a necessidade de uma discussão muito mais ampla sobre o Projeto de Lei (PL) 872/2021, que disciplina o uso da Inteligência Artificial (IA) no Brasil. A proposta, que recebeu 17 emendas, é do senador Veneziano Vital do Rêgo (PSB-PB) e tem como relator Eduardo Gomes (MDB-TO), que ainda não concluiu seu voto. O senador Eduardo Girão (Podemos-CE), responsável por comandar a reunião desta sexta-feira.
Segundo os debatedores — tanto os representantes da iniciativa privada quanto do governo —, uma nova legislação tem que ser capaz de garantir transparência, princípios éticos e segurança jurídica sem criar entraves e limites para o desenvolvimento da tecnologia, o que não será tarefa fácil.
— Nesse assunto estamos como criança no jardim de infância: aprendendo a dar os primeiros passos, cheios de perguntas e sem resposta. O maior risco no momento é impedirmos o desenvolvimento tecnológico. É fundamental que tenhamos estrategia para avançar sem a imposição de barreiras que nos deixem para trás em relação ao resto do mundo — avaliou o secretário de Governo Digital do Ministério da Economia, Luís Felipe Salin Monteiro.
O coordenador do Comitê Jurídico da Câmara Brasileira da Economia Digital, Igor Ferreira Luna Louro, disse que é preciso um exercício de humildade, pois todos estão tentando adivinhar como será o futuro tendo nas mãos uma ferramenta promissora, que pode ser usada "para o bem e para o mal".
— O que a gente sabe hoje sobre a inteligência artificial é só a ponta do iceberg. Fazendo até mesmo uma contextualização histórica, é como se estivéssemos nos anos 60 tentando regular a internet, quando não tínhamos ideia de que ela chegaria ao ponto que chegou hoje. Só para comparar, a internet foi inventada nos anos 60, e nós, no Brasil, editamos o Marco Civil da Internet em 2014 — esclareceu.
Igor Louro lembrou que a IA está presente no dia a dia das pessoas, que nem sempre a percebem: na simples escolha de um filme na Netflix, passando pelo desbloqueio do celular com o uso do rosto, até na identificação de terremotos.
— O sistema de reconhecimento de voz inicialmente foi parametrizado a partir do sotaque e da língua de um americano adulto. Então, ele não entendia o que um adolescente americano falava, nem o sotaque do inglês britânico. Hoje, sem amarras restritivas, a gente tem, por exemplo, a Alexa, da Amazon; e a Google Assistente, que já entendem diversas línguas. Se tivéssemos condicionado o funcionamento da existência dessa tecnologia a um processo prévio de aprovação governamental, não desfrutaríamos dos benefícios hoje — destacou.
Emenda
O diretor da Federação Nacional das Empresas de Informática (Fenainfo), Rafael Krug, criticou uma emenda apresentada ao projeto pelo senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), que trata da supervisão humana nos sistemas de IA e da responsabilidade civil do supervisor. Na opinião dele, da forma como foi redigido, o texto inviabilizaria uma série de avanços no futuro.
— Não poderemos ter cidades inteligentes, com controle inteligente de tráfego, por exemplo. Não poderemos ter exploração espacial com foguetes automáticos ou carros autônomos porque teria sempre que ter interação do ser humano. Da mesma forma, a agricultura seria afetada. A IA consegue identificar até grãos de café com defeito e não precisa de humanos para isso. Portanto, pedimos mais discussão, pois é muito precoce fazermos a regulamentação neste momento no país — opinou.
Sem pressa
O alerta feito pelos debatedores encontrou apoio do senador Izalci Lucas (PSDB-DF), que acredita que o PL 872/2021 não tem condições de ser aprovado este ano. Ele lembrou ainda que a inovação tecnológica tem que andar junto com a educação, e o Brasil sofre com a falta de mão de obra qualificada. Segundo o parlamentar, apenas 9% dos jovens brasileiros fazem curso técnico e, dos 91% restantes, apenas 20% entram na faculdade.
— Como deputado participei da elaboração do Marco Civil da Internet e foram anos de discussão. Me preocupa muito esse projeto, pois é preciso cuidado para não impormos limitações e condições que inviabilizem a evolução tecnológica — avaliou.
Eduardo Girão lembrou que o pontapé inicial na discussão do tema precisa ser dado, visto que a IA representa a mais promissora e ambiciosa fronteira do desenvolvimento tecnológico, com impacto direto na forma de organização das sociedades. Exatamente por isso, destacou, formas de regulação vem sendo propostas em outros países do mundo.
Para o senador Esperidião Amin (PP-RS), a sessão no Plenário teve o mérito de inaugurar na atual legislatura uma discussão necessária sobre o tema e suas aplicações. Ele sugeriu também que a futura lei que vier a ser aprovada dê condições para seja atualizada e revisada periodicamente.
Os parlamentares já adiantaram que o tema será novamente debatido no segundo semestre, para que o relator tenha condições de concluir seu voto, e lembraram que existem outras propostas tramitando no Congresso, como o PL 5.691/2019, do senador Styvenson Valentin, que cria a Política Nacional de Inteligência Artificial.
O PL 872/2021 já esteve na pauta do Plenário, mas foi retirado para que houvesse mais tempo para o relator aprimorar o texto.
A proposição estabelece quatro conjuntos de parâmetros que deverão nortear a aplicação da IA no país: respeito à ética, aos direitos humanos, aos valores democráticos e à diversidade; proteção da privacidade e dos dados pessoais; transparência, confiabilidade e segurança dos sistemas; e garantia da intervenção humana, sempre que necessária.
Segundo o autor, a iniciativa pretende agir na promoção do crescimento inclusivo e do desenvolvimento sustentável; da pesquisa, do desenvolvimento tecnológico, da inovação e do empreendedorismo; e da melhoria da qualidade e eficiência dos serviços oferecidos à população.
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