Participantes de audiência da Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados (CMMIR), realizada nesta quinta-feira (3), defenderam a necessidade de o governo federal gerir um plano de fluxo migratório dos refugiados afegãos no Brasil, como aconteceu com a Operação Acolhida, que recebeu migrantes venezuelanos.
Relatora do colegiado e autora do requerimento para a realização do debate, a senadora Mara Garilli (PSDB-SP) demonstrou preocupação com a situação de cerca de 114 migrantes afegãos que estão acampados próximo ao Posto Avançado de Atendimento Humanizado ao Migrante do Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP), sem direcionamento para nenhum abrigo temporário.
— A situação em Guarulhos merece atenção federal mesmo e, é claro, do estado [de São Paulo] também. É inadmissível que o governo federal não tenha criado dotação orçamentária específica e contínua para permitir a realização de ações socioassistenciais, como políticas de acolhimento, inclusão social nos estados, nos municípios que têm acolhido as pessoas do Afeganistão com solidariedade e trabalho duro — enfatizou.
Mara pediu que a Casa Civil edite um decreto para permitir o repasse de fundos federais e outras medidas de assistência emergencial para o acolhimento de afegãos em situação de vulnerabilidade decorrente do fluxo migratório com a crise humanitária no país de origem. De acordo com ela, “há previsão legal para isso [Lei nº 13.684, de 2018] e um decreto similar já foi editado para o fluxo venezuelano”.
O secretário de Assistência Social de Guarulhos, Fábio Cavalcante, relatou que o posto humanitário do terminal, de competência municipal, acolheu e encaminhou 1.387 pessoas a abrigos provisórios, com o auxílio do governo do estado e de outros municípios e instituições. O posto, segundo Cavalcante, ficou responsável pela primeira acolhida dessas pessoas com a garantia de segurança alimentar e o fornecimento de itens para necessidades emergenciais, como cobertores e água. Ele cobrou que o Executivo coordene a acolhida e da distribuição dos imigrantes para os demais estados do país, assim como foi feito com os venezuelanos na Operação Acolhida.
— A gente está chegando ao nosso limite. Além disso, uma das funções do posto, que é o combate ao tráfico de pessoas, a gente não está conseguindo efetivar porque a demanda que chega todo dia é tão grande que a gente não consegue ter perna para fazer o que o posto foi efetivamente criado para fazer — disse.
O padre Marcelo Maróstica Quadro, da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, instituição parceira do governo do estado, afirmou que adultos e crianças enfrentam uma "situação indigna” no aeroporto. O problema, de acordo com ele, poderia ser resolvido com a participação do de um representante do Executivo federal que estabelecesse limites de acesso e colaborasse para um bom fluxo da política pública.
— Muitas pessoas, sensibilizadas pela imprensa, sensibilizadas por ativistas, se aproximam como voluntárias para ajudar (...) As pessoas querem ajudar, mas estão sem orientação técnica também. Então, nós percebemos o quanto é necessário pensar na política migratória do Brasil, num órgão que coordene a ação, que possa subsidiar e fortalecer as ações municipais — afirmou.
O secretário-geral de Articulação Institucional da Defensoria Pública da União, Gabriel Saad Travassos do Carmo, também reconheceu que, diante das dificuldades de articulação, a coordenação da política de fluxo migratório dos afegãos deve ser de responsabilidade do governo federal, assim como na experiência da Operação Acolhida.
— Apesar das peculiaridades da experiência, ela [a Operação acolhida] pode ser utilizada no que diz respeito ao cofinanciamento federal, ao fortalecimento da rede socioassistencial, lembrando que a obrigação é tripartite, tanto a União quanto estados e municípios têm que realizar o acolhimento dessas pessoas — disse.
A secretária de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo, Célia Leão, afirmou que, além de não haver coordenação federal, falta apoio financeiro da União. Até o momento, de acordo com ela, o governo federal liberou R$ 280 mil, valor considerado insuficiente para as ações de acolhimento. Célia relatou que, de janeiro de 2022 até agora, 162 afegãos foram acolhidos na Casa Passagem Terra Nova, no bairro da Mooca, em São Paulo. A rede de assistência que compete ao governo estadual atua na urgência do acolhimento articulado com municípios e instituições internacionais, como a agência da ONU para Refugiados (Acnur) e a Cáritas São Paulo. O grupo busca moradia temporária, acesso a vacinação, auxílio na obtenção de documentação e colocação profissional.
O representante do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Bernardo de Almeida Tannuri Lafert, concordou que o governo pode coordenar o fluxo migratório, como aconteceu na Operação Acolhida com venezuelanos e haitianos. Mas a atuação, segundo ele, se restringiria ao acolhimento e ao encaminhamento dessas pessoas para outras cidades, numa colaboração com estados e municípios.
A assessora para Assuntos de Imigração da Secretaria Nacional de Assistência Social, Niusarete Margarida de Lima, explicou que o governo federal só pode atuar na interiorização dos afegãos quando formalizar um pacto de cooperação com estados e municípios que possam receber os migrantes.
— Nós temos que compreender que, pelo pacto federativo, o governo federal não pode impor aos entes federados uma distribuição, um deslocamento de determinados grupos sem que haja uma pactuação local — esclareceu.
Niusarete também alertou para a necessidade elaboração de uma lei federal que reconheça a crise migratória dos afegãos como emergência social. Segundo ela, só assim o ministério terá segurança jurídica para destinar mais recursos federais e atuar com ações necessárias.
Para Mara Gabrilli, outra dificuldade que os afegãos enfrentam é a demora para emissão dos vistos humanitários nas embaixadas brasileiras. A senadora já pediu providências ao ministro das Relações Exteriores, Carlos França, e encaminhou três ofícios solicitando maior agilidade.
A juíza afegã, Gulandam Totakhai que há um ano está refugiada no Brasil, reforçou a importância de o governo brasileiro emitir vistos humanitários. De acordo com ela, é preciso que líderes e toda a sociedade civil assumam a responsabilidade com o acolhimento dos migrantes.
— É responsabilidade de todos nós. As comunidades, as empresas, as organizações, a sociedade civil, todos devemos nos unir para encontrarmos uma solução para esse problema. Sei que [o problema] não será apenas neste ano ou no próximo ano, sei que será um problema contínuo porque o Brasil é um país para o qual muitas pessoas querem vir — acrescentou.
Dos 2.842 afegãos que chegaram ao Brasil, 919 foram atendidos e acolhidos pelo Acnur e por parceiros, como a Cáritas São Paulo e a Missão Paz. De acordo com levantamento da entidade, 50% dos migrantes têm curso superior, vêm com suas famílias e possuem capacidade profissional para inserção no mercado de trabalho. A chefe de escritório do Acnur em São Paulo, Maria Beatriz Nogueira, disse que os migrantes têm conseguido se colocar no mercado de trabalho brasileiro.
— Pegando dados públicos do Caged [Cadastro Geral de Empregados e Desempregados], vemos que pessoas têm sido contratadas no Brasil. A gente tem quase 500 pessoas inseridas no mercado de trabalho, de diferentes gêneros, idades e em diferentes estados do Brasil. Isso mostra que as pessoas que têm chegado têm de fato se inseridas no mercado de trabalho. Talvez não com a qualificação equivalente à sua formação inicial (...) Então, é importante que se diga que há uma perspectiva de integração dessas pessoas aqui no Brasil — disse.
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